terça-feira, outubro 31, 2006

1 DE NOVEMBRO

“Ao contrário dos animais para quem a morte é uma circunstância natural e cujo cadáver se transforma em coisa, para o ser humano a morte é um problema, um drama estranho e difícil: o seu corpo deixa de ser algo vivo mas não se transforma em coisa. Até hoje, nenhuma filosofia conseguiu libertar a humanidade dos temores da morte. Nem a crença no além, nem a recompensa da fama, nem a prolongação do falecido nos seus filhos são consolo suficiente para o momento final. Considerada como a nossa primeira experiência metafísica, a morte foi ao mesmo tempo estética e religiosa pelo enigma que terá representado aos olhos dos nossos primeiros antepassados o “espectáculo” da transformação de um ser em “gelatina anónima”.
o surgimento da arte ou da imagem está associada a morte. E nas sepulturas serviu como meio tranquilizador para enfrentar o medo ao vazio e ao estado de impessoalidade ou de nada em que se transforma o ser com a morte. Servindo ainda como meio de representação e de comunicação entre o visível e o invisível, entre o temido e o tranquilizador. Cumprindo uma função mediadora e de contacto entre duas realidades opostas: unir presentes ao ausente. Apesar da sociedade tecnológica em que vivemos não saber que fazer com os mortos e se nas aldeias ainda existe alguma convivência com eles, nas cidades, pelo contrário os mortos evitam-se e a morte foi burocratizada. Tornando-se o espelho da sua vivência. Numa sociedade que gira em torno de uma organização socioeconómica, cujos valores são apenas o êxito, a produção e o lucro, o culto da morte não tem razão de existir. Da “boa morte passou-se à morte bela”, e da secularização aos secularismos invasores num desafecto total à religião. Onde o além vai perdendo em favor do Aquém mas, como paradoxo cada 1 de Novembro, os cemitérios enchem-se de flores em torno deste culto.”

In António Delgado Estética de la Muerte en Portugal e Glosario Ilustrado de la muerte
Ps. Na região, recomendo visitar, no dia 1 de Novembro, os cemitérios da Pederneira e Aljubarrota... depois percebem porquê?