domingo, abril 19, 2009

O SANTO PORTUGUÊS QUE MATOU 36 MIL ESPANHÓIS




Falo de Nun’Alvares. Até há pouco, as mulheres ameaçavam os miúdos com «Olha que eu chamo o Dom Nuno!». Um papão. Os portugueses só o conhecem porque ele derrotou os espanhóis. Em Aljubarrota foram 36.000, para além dos 7 de que se encarregou a padeira. Invocou Santa Maria – que só será Mãe dos portugueses e não dos espanhóis - venceu. Esta mitologia merece tanto crédito como as lendas de feiticeiras; o problema é que, repetida hoje, significa estagnação cultural. Ideologia rústica fora do tempo. O povo vai venerar um santo só porque ele derrotou os espanhóis. (Ficamos à espera que seja canonizado o régulo Gungunhana que se sacrificou pela independência da sua pátria, Moçambique...). O Dicionário de História de Portugal, de Joel Serrão, lemos isto: «[Nun’Alvares] exigia sempre uma disciplina rigorosa e o exacto cumprimento das suas ordens; se isso não sucedia tornava-se bravo como um leão, chegando a matar os cavalos e a ferir os corpos dos descuidados, se eram pessoas de mais pequena condição». Entenderam: «se eram pessoas de mais baixa condição». Cavaco
Silva, ao integrar a comissão de honra da canonização, disse que «pode ser um exemplo para os portugueses». Eu diria que exemplos desses já temos de sobra: uma Justiça que condena os pobres e absolve os ricos; os trabalhadores pagam impostos enquanto os políticos e suas famílias acumulam milhões com a corrupção, os banqueiros a apropriarem-se dos dinheiros dos clientes...
Preferia ver o responsável máximo da Nação - que, hoje, é amiga de Espanha - a abster-se desses conluios patriotiqueiros e a apontar os espanhóis como exemplo de civismo, criatividade e empreendedorismo. Não foi pelas qualidades guerreiras do Condestável que o Vaticano o canonizou. Seria porque, já velho e impotente, se recolheu a um convento onde viveu 8 anos ? (Diz o ditado: «O diabo depois de velho fez-se ermitão»). Não consta que tivesse dado as suas riquezas aos pobres, como se diz agora. Que se dedicasse a tarefas conventuais, milhões de frades o fizeram.
No entanto, o mesmo historiador que citei diz: «Por baixo do hábito de frade, Nun’ Álvares trazia por vezes vestido o seu arnez de combatente». Estão a ver? Um belicoso disfarçado de frade. Foi pelo milagre do salpico de azeite quente que saltou para a vista duma mulher de Ourém e que não a cegou? Porque foi? E porque só agora? Política vaticana. A beatificação, em 1918, visou combater as Repúblicas portuguesa e espanhola, liberais. Depois o processo
foi p’ra gaveta, por cumplicidade com o fascismos ibéricos. Agora, como o Condestável foi anti-espanhol, saiu dos arquivos para a actual guerrilha entre a Espanha e o Vaticano (este já não tem mão duma nação que foi a mais católica do Globo). Primeiro foi a lei sobre o aborto. Depois, o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo que levou os bispos espanhóis a saírem à rua em manifestação (coisa nunca vista - para combater uma lei democrática). Bento XVI até veio a Espanha apoiar os bispos num congresso em favor da «família tradicional». Hoje há o problema das aulas de Religião e Moral que o governo substituiu por Educação Cívica, e o programa da Memória Histórica sobre a guerra civil a que a Igreja - que foi co-responsável nessa guerra - se opõe («para não abrir feridas», diz ela). Se isto fosse em países como Inglaterra, Alemanha ou França, laicos ou protestantes de longa data, passons como dizem os franceses. Vindo de Espanha que foi a católica por excelência, no pasaran como diriam os bispos espanhóis. E passaram. Então... «Tomem lá com o Condestável português que vos derrotou!» (Sendo eles como são, faz-lhes tanta mossa como mostrar-lhes um espantalho).
Esta canonização é a reprodução da de Santa Joana d’Arc, rapariga francesa que derrotou os ingleses invasores da França, em Orléans (1429); mas foi entregue traiçoeiramente aos ingleses que a condenaram à fogueira por heresia (1431). Só foi beatificada em 1909 e canonizada em 1920, uma época de fundamentalismo católico... contra Inglaterra protestante.
E, com este costume medieval de inventar santos e dos pôr a fazer política, é a imagem do Vaticano que fica muito aquém das culturas da modernidade. ( artigo da autoria do Prof. Moisés Espírito Santo e publicado no Jornal de Leiria 16/4/2009)

quinta-feira, abril 16, 2009

ROSTOS NA PENUMBRA


Uma breve análise sobre os partidos políticos, demonstra terem pouca visão de futuro. Os interesses que afiguram são difusos, representam-se a si mesmos e entre eles não diferem em substância as formas “clientelares” da relação com os cidadãos. É aquilo que se designa por “crise de representatividade”. Cada dia os partidos representam menos a sociedade. Que fazer, cruzamos os braços? Preocupamo-nos com saídas individuais? Lançamo-nos numa corrida alienada contra a participação política, desprestigiando-a? Talvez o segredo esteja no tipo de cidadania existente ou na que se possa promover.
Ela é por vezes, uma face oculta da sociedade que pode estar pintada de esperança ou ser a expressão dura do veneno que injecta desalento à esquerda e à direita. A cidadania é a principal fonte de mudança social que é necessário ser-se capaz de associar, juntar ou agregar. A possibilidade de mudança numa sociedade depende da forma como os cidadãos se relacionam com a política e o nível de participação que são capazes de sustentar. A existência de maiores ou menores probabilidades para desenvolver organizações partidárias de maior compromisso com a democracia e o bem-estar colectivo, depende do tipo de cidadania que cada um exerce. Vejamos quatro tipos.
1º “O imóvel apático”: não lhe interessa nenhuma espécie de participação, lembra-se da política para a maldizer e culpa-a dos males sociais e erros dos governos. Isto justifica a sua abstenção e a cómoda indiferença social. Os erros das instituições são pretexto para legitimar a preguiça, porque a inacção cívica é uma cómoda posição política.
2º “ O desiludido militante”: maneja as modernas tecnologias e tem razoável formação académica, mas deste conforto esparge vírus de desalento e fracasso. Um ou outro participa em organizações sociais, mas diz abominar a política e as virtudes na sociedade existem, segundo ele, nas organizações que controla e nas quais milita. Quem não está sujeito ao seu comando ou não se submeta aos seus desígnios é satanizado. Adopta uma visão autoritária da sociedade na mesma proporção que tem incapacidade para participar ou agregar-se em grupos. Crê que as suas ideias são a panaceia que salva o mundo. Há outros que não participam em nada, vivem da intriga e da mentira contra quem deseja actuar. São profissionais da desmoralização e especialistas em escamotear qualquer iniciativa ou sabotá-la. Para eles, todo obstáculo é a evidência objectiva de que qualquer esforço carece de sentido. São sumamente irresponsáveis, não lhes importa as consequências das suas palavras ao julgar as acções de outros. Recreiam-se na negatividade e jactam-se quando logram frustrar alguém. Regozijam com o fracasso das iniciativas dos outros porque justifica a sua passividade. Junto ao “ imóvel apático” contribuem para manter o clientelismo político e a corrupção.
3º “A cidadania activista”: move-se de forma clientelar e pelo benefício individual imediato. Representa o lema “venha a nós o vosso reino”. Estimula a desigualdade e a exclusão, e não considera a política uma actividade nobre ou que deva ser exercida por gente de bem. Os postos públicos são património exclusivo dos eleitos. Possuem o cartão do partido de maiores possibilidades eleitorais: cobiçar empregos e nomeações políticas é o objectivo. A política é fonte primogénita de privilégios e a melhor via para obter poder e compensações exclusivamente privadas.
4º. “A cidadania activa não clientelar”: Tenta estabelecer regras claras, precisas e iguais para todos. Une as pessoas de igual sentimento e (grupos) que defendem os mesmos interesses. Sabem que as regras do jogo quando são claras e aceites pela maioria e usadas como o principal critério para o tratamento equitativo são mais sustentáveis no tempo e serão de maior beneficio para si e sua descendência. É uma cidadania actuante, crítica, às vezes ácida, incómoda, insuportável. Reconhece a sociedade como um processo de construção colectivo e vê nos privilégios individuais uma selva perigosa. Nenhum destes tipos de cidadania existe em estado puro, por vezes, encontramos misturas estranhas e combinações inexplicáveis. O importante (creio) seria promover um modelo da “cidadania activa não clientelar”, por ser a que representa melhor a seiva criadora da sociedade e pode estimular mudanças e possibilitar a redefinição do pacto social que nos dá vida. É o tipo de cidadania que se necessita de forma maioritária e é a que deveria ganhar a aderência das nossas mentes almas e corações.