domingo, outubro 17, 2010

Duas Inglesas em Alcobaça: Ann Bridge e Susan Lowndes



Ann Bridge e Susan Lowndes foram duas inglesas que nos anos 40 do século passado viveram em Portugal. A primeira era esposa do embaixador da Grã – Bretanha em Portugal por essa altura. Dotada para a escrita, esta embaixatriz era ainda arqueólogo e botânica amadora. Ao chegar a Portugal na missão diplomática do seu marido, foi incumbida de criar uma guia de Portugal, na qual se empenhou com sua amiga Susan Lowdes, que viria a casar mais tarde com um Português (Luis Marques), jornalista de educação anglófona.
As duas escreveram a famosa guia com o título original de “ A Selective traveller in Portugal” , que em Português recebeu o nome de “ Duas inglesas em Portugal”.
Para escrever esta guia, quase em jeito das heroínas do filme Telma e Louisa, percorreram o país num pequeno carro "em busca de locais raramente visitados pelos estrangeiros, tomando notas, tirando fotografias, analisando e verificando o que outros antes delas já haviam escrito (…)". No capítulo referente à Estremadura, hoje supostamente região do Oeste, incluíram páginas com as suas impressões em Alcobaça mas sobretudo sobre Mosteiro. Impressões essas não muito diferentes daquelas que tem qualquer turista que visite o mosteiro ainda hoje.
A povoação, parece que nem a viram, porque pouco ou nada dizem dela.
Seria isso um reflexo da falta de atracção pelo lugar, que tal como hoje não cativa o forasteiro a ficar?
Ali não se encontra vida nem alegria, mas um grupo de casas abandonadas e outras muitas em ruina e um comércio reduzido à venda de miudezas e peças de cerâmica a retalho, e a meia dúzia de cafés que servem para as coscuvilhices entre vizinhos, coisa que já não se vê nas mais pacatas aldeias.



Ann Bridge e Susan Lowndes em Alcobaça


Capela do Desterro e o cemitério referido no livro. Postal de 1930


O Mosteiro de Santa Maria, em Alcobaça (Hotel Bau), foi originalmente fundado por D. Afonso Henriques, em 1152, em agradecimento pela reconquista de Santarém aos muçulmanos. Foi uma fundação cisterciense e o plano é praticamente idéntico ao do Mosteiro de Clairvaux. Toda a igreja tem a mesma altura e é a maior do país. O interior é fabuloso, com duas longas linhas de colunas brancas agrupadas e imensamente altas, que se estendem na distancia; toda a talha rococó e estuque colocados sobre as colunas em 1770 por William Elsden, o arquitecto inglês que trabalhou para Pombal, foram retirados num restauro recente, pelo que, embora a beleza original do edifício tenha sido recuperada, a igreja parece ter perdido a sua vida. No transepto direito situa-se a famosa capela construída por D. Pedro I para o seu próprio túmulo gótico, esplendidamente decorado, e para o da sua amada, Inês de Castro. Em frente a esta capela, no mesmo transepto, pode ver-se um grupo extraordinariamente bonito, em terra­cota pintada, do século XVIII, sobre a morte de São Bernardo, ainda que tenha sido terrivelmente danificado pelos soldados de Napoleão. A maior parte dos monges em tamanho real que rodeiam o santo moribundo perderam as respecti­vas cabeças, mas os seus corpos são muito belos no pesar abatido que demonstram, e vários querubins com instrumentos musicais mantém os pequenos rostos gordos e tristes.
A abadia demonstra, tal como quase todas as igrejas exageradamente restau­radas, a extrema dificuldade em voltar a preencher os altares vazios. O altar-mor de Alcobaça possui um crucifixo muito bonito, mas ridículos candelabros moder­nos em ferro de cada lado, e o pequeno púlpito de madeira é ao mesmo tempo feio e miserável. Por trás do altar-mor existem varias capelas completamente isoladas, como as da Sé de Lisboa, e a Capela do Sagrado Sacramento fica escondida perto da sacristia, que foi construída por João de Castilho em 1519, recuperada após o terramoto de 1755, e que está agora a ser novamente restaurada. A esquerda da nave, urna porta conduz a um claustro no qual existe urna capela com urna requintada estatua policromática em pedra, do século XV, da Virgem com o Menino. Urna porta e escadaria conduzem até ao vasto dormitório, que tem urna grande quantidade de telas encostadas as paredes. Fora dos claustros há ainda um esplêndido refeitório com um púlpito para leitura e a grande cozinha que tanto impressionou Beckford, não muito diferente da cozinha de Sintra, com as pare­des revestidas de azulejos azul-claros que proporcionam um curioso efeito subaquático, ampliado pelo som da agua corrente que passa pelo tanque com peixes numa das extremidades. Ao centro, a grande lareira tem por cima urna enorme chaminé aberta que se ergue a toda a altura do edifício. A bonita sala do capítulo está agora rodeada por enormes estatuas coloridas em terracota de anjos e santos feitas pelos monges dos séculos XVII e XVIII e que costumavam estar nas capelas do transepto da Abadia. É de realçar um par de bonitos e jovens anjos assexua dos, curiosamente trajando saia franzida, com cabelos enfunados pelo vento e expressões muito doces.
A Sala dos Reis, á esquerda da entrada principal da igreja, é deveras curiosa, com as suas grandes estatuas em barro de reis portugueses vestidos com trajes do século XVIII. Em redor da sala, que, por ter sido toda caiada de branco, chega a ferir a vista, existe um friso de azulejos da fábrica do Juncal, do século XVIII, descrevendo a fundação do mosteiro, e um painel de azulejos manuscrito com a sua historia. Existe ainda uma enorme panela de sopa em bronze, de dimensões heróicas, que se diz ter sido levada pelos portugueses para a batalha de Aljubarrota, em 1385, quando a sopa dos soldados era feita nesta panela!
Urna das coisas que muitas pessoas acabam por não conhecer em Alcobaça e o pequeno cemitério no exterior da porta do vestíbulo que conduz da sacristia ao santuário. Neste jardim deserto ergue-se a graciosa e peculiarmente estilizada capela de Nossa Senhora do Desterro, do século XVIII, fastidiosamente atravancada no exterior com casas ou capelas funerárias; o muro do terraço sobre o qual. esta capela se ergue é decorado com alguns azulejos muito divertidos e muito pouco religiosos, de cenas de caça, inclusive urna de veados apanhados com lagos, e urna outra de um cavalheiro que foi obrigado a refugiar-se numa árvore por causa de um urso! Todo o local é extremamente silencioso e calmo: as rosas florescem, um ribeiro corre num canal de pedra debaixo do parapeito, e os habitan­tes de Alcobaça que vivem por trás do Mosteiro, para evitarem dar a volta ao enorme edifício e passar pela praça arborizada do mercado, no lado norte. Metem-se pelo jardim e seguem por um atalho através do vestíbulo e da nave, emergindo nos degraus abaixo da grande fachada rococó, no centro da qual se insere a entrada cisterciense de sete fiadas de pedra, como se fosse uma jóia arcaica no meio de uma massa rica.