quarta-feira, agosto 01, 2007

TRAGÉDIA NO SILVAL




Em pequeno imaginava o mundo determinado ao lugar onde morava e ao espaço que o meu olhar abrangia, em redor desse centro. Para lá dessa circunscrição visual e também imaginária era o caos. Lugar onde viviam os monstros, as bruxas os lobisomens e as almas penadas, personagens fabulosas com que os mais velhos atormentavam a minha existência, e exercitavam a minha imaginação e cultivavam igualmente o meu amor para a vida e meus semelhantes pelas longas noites de Inverno à lareira depois de cear. A lareira era um lugar de tertúlia e sociabilidade e escola de vida para as crianças como eu. Era assim a vida na minha aldeia no Silval.

A minha aldeia era um pequeno lugar muito acolhedor que tinha como característica um idioma que se falava com o coração, apesar de ter muitas palavras e serem diferentes entre si todas eram sinónimas de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, não é que fosse limitado o seu léxico ou o seu sistema de convivência social. A razão era que todos estavam unidos entre si como que por uma corda e o que acontecesse a um, invariavelmente influía nos outros. Socialmente organizavam-se deste modo: Todas as mulheres da minha aldeia eram minhas mães e mães das outras crianças e todos os homens eram meus pais e pais de todas as outras crianças. Todas as crianças eram minhas irmãs e filhos de meu pai e da minha mãe e de todos os homens e mulheres da minha aldeia. Como os nossos pais e os nossos avós já tinham tido esta cultura fraterna eram os depositários da sua transmissão, por isso todos estávamos irmanados como numa família e se algum faltasse, todos sentíamos a sua ausência ou esperávamos com alegria a sua chegada. A partida definitiva de qualquer, pequeno ou grande, afectava a todos de forma muito forte. Era assim a razão de existir naquele pequeno lugar, que era a minha aldeia. Por contraste só na cidade compreendi os seus ensinamentos, e como era diferente aquele idioma que se falava com o coração, onde as palavras coincidiam com o seu significado tal como vêm nos dicionários. É o que sinto hoje com a tragédia que ocorreu no Silval onde uma criancinha, neta dos meus amigos de infância a Natividade Rouxo e o António Querido faleceu num acidente. Neste momento particularmente difícil para eles e sobretudo para a filha e o genro que perderam o filho, expresso o meu mais veemente sentir e recordo a minha aldeia que transporto no coração e a vossa dor que é também minha e me faz igualmente sangrar a alma e o coração.