segunda-feira, setembro 03, 2007

"TREÛZE"

Foto de Patrick Parenteau, extraída daqui.

Não são poucas vezes que no dia a dia, mas também, na rádio ou na televisão ouvirmos as/os locutoras (os) pronunciarem o número treze (13), por qualquer coisa semelhante a TREÛZE . Um modismo inspirado talvez, na forma de falar das “tias de Cascais”. Modismo que contagiou a novel população feminina da qual possivelmente faz parte uma locutora da Rádio Císter(a que diz as notícias) que de forma graciosa pronúncia TREUUZE em vez de dizer treze. No entanto devo ressaltar que a referida locutora tem uma voz bonita e muito agradável ao ouvido...parabéns à Rádio Císter.
Por vezes, fico a imaginar ouvido pronunciar TREÛUUUUZE ( câmara lenta), o desenho e a mimica labial de quem diz , desta forma, o referido número. Como tenho uma memória que é também muito visual, não consigo deslindar este facto dos reclames de lábios, em grande plano, com bocas a comerem morangos , cerejas ou gelados para insinuarem ideias lascivas...será que certos modismos no linguarejar ou na pronunciação de algumas palavras em portugês, também encerram aquelas ideias?!

Falar de sete e quinhentos.

Entre muita gente, floresce a abstracção empolada como o mais natural do mundo. O mais lerdo fala como um torpe metafísico em funções. Em lugar de “existir” diz substituir e em todas as partes “haver” do mesmo modo que a existência supre a “presença” e a inexistência a “ carência” ou “ausência “. Transforma, a “intenção” em intencionalidade; e “fim” em finalidade; “potência” ou “capacidade” em potencialidade. O “competitivo” torna-se competitividade, o “credito” em credibilidade. No lugar de “governo” põe governação ou governabilidade. A simples “obrigação” transformou-se em obrigatoriedade, e o “tudo” no “total” e em totalidade (do mesmo modo que “conjunto” em globalidade ou globalização). A “razão” cedeu à racionalidade e um modesto “rigor” tornou-se em rigorosidade. Não há “disfunção” mas disfuncionalidade, em vez de “emoção” há emotividade. O “perigo” é perigosidade. E “motivos” transformaram-se em motivações. No lugar de “limite” diz-se limitação. O “valor” mede-se agora pela sonora desvalorização, ou valorização.
Há quem acredite que as palavras, como os rostos, encolhem-se e enrodilham ou têm de fazer operações plásticas. É com estas fórmulas que alguns se erguem sobre o falante médio para obter prestígio. O que começa por um interesse néscio por notoriedade expande-se posteriormente sem controlo. Talvez porque supostos especialistas disponham de bula para retorcer a língua ao seu gosto, perante a submissão reverente de leigos. Enquanto o intelectual recria-se no veicular perante o “levar” ou “transportar”, no articular frente ao “compor” ou “ unir”. O seu é problematizar quando bastaria “questionar”. Nos políticos não há nenhum que não dedique o dia a posicionar-se ou a emitir posicionamento, em vez de “prenunciar-se”, “situar-se” ou adoptar uma “postura” ou “decisão”. Dispõem-se a institucionalizar todo, sem “instituir” nada. A omnipresente negociação, nunca é um “trato” nem um “diálogo”. Este modo falar surge por vivermos tempos onde se fala demasiado. E porque a palavra pública, antes reservada a uns poucos e para ocasiões solenes, roda agora de forma incontável no espaço da publicidade política e comercial. A feroz concorrência para captar os interesses do cliente atordoado por geringonças, chega por igual a políticos e comerciantes para renovar em cada campanha a sua mercadoria verbal, dotando-a de maior poder de sedução. Poder que não se alcança pela precisão ou a eufonia nem na verdade mas pela largura das palavras. O que contrasta com a redução das ideias e limitar auditores. Agora o comentarista de futebol sabe quando o jogo finaliza, mas não sabe quando “termina” e muito menos quando “acaba”. O jogo não tem “final” ou “término”, mas finalização. E os golos não se “metem”, materializam-se. Nas noticias da televisão, os bancos fusionam-se, nunca se “fundem”. Comunicados de toda a ordem propõem actuações e não “acções”. Exigem “normativas” à falta de normas invocando uma regulamentação, que é mais sonante que dizer “regras”. O empobrecimento da língua, mais que um facto “geral” parece ser é um facto generalizado. Como produto histórico, é uma coisa viva e a língua tem que evoluir, mas não transformá-la, a golpes de pedantismo, de ignorância ou somente pelo mimetismo dos usuários com “palavras de sete e quinhentos”.

Falar de sete e quinhentos”: artigo publicado no Jornal de Leiria edição de 12/7/2007.