quinta-feira, agosto 26, 2010

TAMBÉM ESTIVE AÍ

Foto extraída da net, neste ponto ( click)


Há dias, polemicou-se nos EUA as férias da Primeira Dama e sua filha, na Costa do Sol em Espanha. Dizia-se não ser oportuno empreender tal viagem, porque o país estava em crise, e que a 1ª dama deveria ser mais patriota, em vez de ir para Espanha deveria veranear no golfo do México, entre o crude derramado pela BP, para dar o exemplo…
Este tipo de reacção confirma que mesmo nos EUA, não há nada melhor para fazer que criticar os actores políticos no verão. O episódio distrai de situações graves como a presença militar no Afeganistão, que mantém um estado inútil de coisas e a escalada bélica que caminha para o fiasco e gera a ascendência dos taliban…
Mas, como a vida no verão é “mais tranquila”, fala-se de coisas com transcendência efémera: A Srª. Obama vai de turismo a Espanha. Isto já é motivo de polémica e discussão televisiva para espectadores em calções e chancas. Discute-se a oportunidade e conveniência, de onde e como a Sr.ª Obama foi de turismo, mas não o facto de ter direito a fazê-lo.
Será o turismo uma actividade sujeita a debate? Pois sim. É hora de começar a considerá-lo como uma das belas artes, e uma actividade básica para o desenvolvimento da humanidade, e o turista um ser digno de estudo antropológico e social, por ser uma variedade nómada do homo citadinus.
É oportuno fazer estudos académicos, incluindo teses de doutoramento que analisem o seu âmbito. Como sobrevive a meia pensão num período de quinze dias e dezasseis noites, como reage à falta de comida de casa, como se sente e esteticamente como se veste adaptado a um meio adverso, ou mesmo como sobrevive a desarranjos intestinais e suporta altas temperaturas, para conhecer ruínas monumentais in situs…
Canais especializados transmitem nesta altura programas turísticos, em que uns jovens percorrem o mundo para nos ensinar os costumes próprios de cada sítio, e os monumentos que se devem ver obrigatoriamente.
Ao nível das ciências sociais e económicas, o turista é já uma espécie a preservar, e em muitos países é a principal fonte de rendimentos; como sucede com o atum, mas morto. Ao contrário do perciforme, o turista deve-se conservar vivo e com o cartão de crédito activo.
Era tempo de haver estudos aprofundados sobre o turista numa secção entre as ciências sociais, biológicas, etnográficas e económicas e de estudar o turismo como espécie, não como ramo da hotelaria, centrada na compra e venda de bilhetes e lugares de hotéis e aviões… Deve-se ir ao cerne da questão e analisar com profundidade, não apenas o fenómeno do turismo, mas o próprio turista em si, como um ser com entendimento e vontades.
Coube aos britânicos a invenção desta actividade gerada em simultâneo pela expansão do seu império. Enquanto as suas tropas se estendiam pelo mundo, corriam a seu lado as companhias comerciais inventando o vagão-restaurante, a genebra, o baú das caixas, e o celebre Phileas Fogg. Os britânicos são especialistas em promover novidades e criar regras sobre elas. Quando saíram a conhecer o mundo, as duas coisas que logo fizeram foi: escrever uma guia de viagens e espoliar todos os monumentos, com a desculpa que esses espólios estariam melhor no Museu Britânico. Por aqui ainda se imputa aos franceses a pilhagem dos nossos monumentos no período das invasões, mas foram os ingleses a possuir o livre acesso a todos esses bens.
No presente, o turista é levado e trazido sem nenhum critério científico, vergado ao pastoreio de guias comerciais.
A questão deve ser mais profunda, porque não temos a certeza de que o nipónico que vemos em Berlim não seja o mesmo que estava o ano passado na Batalha. No entanto há uma coisa que o distingue: a forma de vestir.
Na Grécia, usam normalmente manguitos como os ciclistas quando sobem um lugar elevado. Mas no Vale dos Reis no Egipto, a 40ºC, tapam-se com chapéus de abas e cobrem-nos com um véu de tule, como uma dama das camélias. Estes detalhes devem ser estudados, do mesmo modo que estudamos os costumes dos Massais. O ser humano não é o mesmo ao assumir-se como turista num pais tropical a tomar pinha colada, ou em peregrinação a Fátima.
A origem do turista está na curiosidade em ir ver o que há por aí. Também porque, no fim de contas, todos somos turistas em algum momento por algum motivo, como foram Michelle Obama e os doze carros de escoltas em Marbella, o Dr. Soares nas Seychelles, os peregrinos com bolhas nos pés em Fátima e até o Santo Padre em Portugal durante uns dias.
No fundo todos fazemos por mostrar a foto e dizer “eu também estive aí”. António Delgado in Jornal de Leiria 26/8/2010