domingo, janeiro 25, 2009

DOIS TIPOS DE ALCOBACENSES


Há duas espécies de Alcobacenses. Aquele que ama a terra sem lhe dedicar estrofes e que direcciona todo o seu esforço para a Alcobaça viva, aquela que trabalha, produz, pensa e sofre o presente. Ocupa-se da Alcobaça contemporânea, procurando entender as suas aspirações, dirigindo-lhe força, para torná-la criativa, forte, culta, sábia, próspera emancipada e livre. Este tipo admira o mosteiro, mas não está petrificado nessa admiração; caminha entre os munícipes e ouve-os: na rua, no campo, no café, nos mercados, e tenta entender as suas inquietações para assegurarem, qualidade de vida, instrução, trabalho e riqueza, fomentando para isso dois bens supremos, o engenho e a justiça.
Para esta criatura, Alcobaça está acima dos seus interesses, ambições ou glória, e se tem por vezes um estreito fanatismo por ela, com a mesma paixão a diviniza. Tudo o que tem oferece-lhe. Sacrifica tempo, vida, trabalho e força dando-lhe o melhor de si. Dá sobretudo aquilo que as terras mais necessitam e que as torna grandes: dá-lhe a verdade na história, na economia, na política, na arte e até desmonta as práticas manhosas dos políticos de ocasião. Não a adula nem a ilude: não diz que é grande “ porque tem o mosteiro ou que os frades ensinaram a agricultura”. Diz-lhe que é pequena e não tem agricultura e perdeu importância para os concelhos vizinhos. Vive num grande impasse e os munícipes em desassossego. Diz-lhe que o nível de vida das pessoas é baixo e a qualidade de vida também. Mostra que Alcobaça nem é chique nem está de moda e os munícipes não moram numa terra atractiva nem livre mas dominada pelo medo e a intimidação. Não a ludibria com cantatas mas grita-lhe a verdade rude e brutal. Diz-lhe que o seu atraso é culpa exclusiva dos seus governantes e da sua reiterada inépcia.
O outro tipo de alcobacense apesar de ser nosso contemporâneo é um antigo personagem do século XVIII. Tem mais de 200 anos de idade, é pintado, por fora, pela cor natural da vida moderna mas está ressequido e pulverulento por dentro. A mentalidade que o sustenta cruzou as revoluções (Liberal, Republicana, Estado Novo e 25 de Abril), mantendo-se milagrosamente intacta, e anda entre nós a representar maneiras de pensar características da época em que D. Maria I visitou Alcobaça. Para ele o concelho é um espaço mítico e a história não serve para lhe ensinar uma moral mas apenas um vago recordatório de curiosidades arqueológicas menores. Vive na Alcobaça da vassalagem onde não havia direitos mas deveres. Esta peculiar maneira de amar a terra leva-o a pegar na lira e tocar lânguidas serenatas e cantar hinos apatetados em que “ o concelho de Alcobaça é irmão e pai da pátria e da cultura nacional”. Para ele, Alcobaça são ideias bacocas, que repete em visões saloias até à exaustão. Na assembleia municipal, na vereação ou na presidência da câmara exclama sucedâneos deste espírito de olhos extasiados e lábios repletos de luxúria: “Os monges ensinaram-nos a agricultura! Aqui surgiram as primeiras escolas públicas!” Tudo isto repete como as orações sem sentimento que diz na missa dominical. Esta coisa tenebrosa, não ama Alcobaça, namora-a. Não lhe faz obras, impinge-lhe odes. Não fala verdade, conta fabulas. Não a motiva amputa-lhe o estimulo. E quando Alcobaça se aproxima de mãos vazias, pedindo-lhe que coloque nela os instrumentos para o seu renascimento põe lá o quê? Histórias de um estudante recalcado “não percebo porque não tive vinte valores”. Quando os munícipes clamam politicas concretas para o concelho (sobre a falência de empresas) e para os sérios problemas que enfrentam (desemprego assustador) ou para que não haja esbanjamento de dinheiros públicos (orçamentos fraudulentos) responde: “o município foi laureado com um prémio de publicidade”, (quando o laureado foi uma agência de publicidade).
É este o autêntico sentir desta criatura por Alcobaça! E quando alguém solta uma verdade de forma sensata ou crítica, acode possesso e virulento a gritar “energúmenos”, “mosquitos”, “traidores”. Querendo assim garantir a indolência própria, com uma grande inércia pública, para que nada se crie, nada se diga, nada se faça e tudo permaneça igual e se encaminhe para pior.
Bonda uma alma sincera chamar a atenção das consciências sobre a farsa de tudo isto, corre e torna o pesado sono de Alcobaça ainda mais profundo, cantando serenatas sobre duvidosos projectos imobiliários e requalificações. No entanto, a insensibilidade política e o escândalo social e cultural permitem-lhe que, no centro histórico um terço dos imóveis esteja em total abandono e outros próximos de derrocar, mas… a tudo isto dirá: “ Somos uma das Sete Maravilhas”. Antonio Delgado in semanário Região de Cister