terça-feira, setembro 07, 2010

Alcobaça segundo Miguel Unamuno


Miguel Unamuno nasceu em Bilbau e morreu em Salamanca (1864-1936). Nesta última cidade passou o período mais fecundo da sua existência entregue à sua cátedra de grego na Universidade, onde foi reitor desde 1902.
Dotado de um espírito de dimensões excepcionais, cuja valorização se pode fazer com maior justiça à medida que passam os anos e vamos relendo a sua obra, é considerado nos meios académicos e desde há muito tempo, uma das mentes mais profundas e originais da Europa. A sua obra foi traduzida em diversos idiomas.
Em termos de escrita abraçou quase todos os géneros: ensaio, poesia, teatro, romance e filosofia, deixando em todos eles a marca da sua forte personalidade.
Amigo e admirador do nosso país, visitava-o com frequência e fez belas descrições da sua paisagem e da alma portuguesa. Conviveu com personagens de vulto da vida cultural portuguesa, como Teixeira de Pascoais, Guerra Junqueiro e Manuel Laranjeira, com quem passou algumas temporadas de férias em Espinho.
Na troca de correspondência com aqueles, desde cedo manifestou a intenção de escrever um livro sobre a Alma Portuguesa, pois interessava-lhe estudar nos portugueses o “tédio” e o “pessimismo patriótico” que dizia estarem encardidos na sua alma, tal como ainda vemos nos “opinionmaker” dos nossos dias. Mas é nos versos de António Nobre que encontra esse fatalismo tão bem expresso: “ Amigos, Que desgraça nascer em Portugal”. E de Portugal, disse que era um país de Suicidas. Camilo, Antero e Francisco laranjeira atestam-no, entre muitas outras coisas.
A amizade que teve com Guerra Junqueiro terá sido uma das portas que o levou a descrever Portugal e os Portugueses de forma tão singular, e alguém já teve a coragem de dizer que “as páginas que nos deixou sobre o País, são do mais profundo que se escreveu sobre Portugal”.
“ Por terras de Portugal e Espanha”, foi publicado pela primeira vez nos anos 90 do século passado, na língua de Camões, e na nota de introdução justifica-se o atraso nestas palavras, que denotam claramente o que foram as afinidades entre os dois países e por cá muitos ainda vivem congelados no ano de 1385: “ Se as relações culturais luso-espanholas tivessem a dimensão imposta pela proximidade geográfica, a historia politica e cultural com significativos pontos comuns e o interesse num profundo conhecimento recíproco, há muito que este livro, em que a alma de Portugal é olhada com paixão, circularia entre nós e na nossa língua como obra indispensável para se conhecer não só a nação que éramos quando ele foi escrito como o que somos hoje” .
Viajante e curioso como foi, também visitou Alcobaça e deixou uma descrição particular do mosteiro, do caminho por onde passou no Valado dos Frades, onde chegou de comboio, e da hospedagem onde pernoitou. Segundo a correspondencia entre Unamuno e Manuel Larangeira, o texto de Alcobaça foi publicado em Buenos Aires (Argentina), no Jornal la Nación em 1909.
Tentei ver se os jornais locais, em Alcobaça), do ano de 1908, faziam mençãoda sua visitou à povoação, mas foi inglória a intenção. Apesar de Unamuno ser uma pessoa muito conhecido em Espanha e Portugal (privava com o rei a quem fazia discursos e já era reitor da Universidade de Salamanca), nenhuma referência lhe foi feita, mas ao contrário deparei-me com as miudezas de uma terra onde não se passava nada, adormecida na nostalgia dos monges e parada no tempo, onde se pressentia o cacarejar das galinhas à solta pela rua , o chiar dos rodízios de carros de bois e se falava do sino da igreja badalar para anunciar que fulano tal e sua esposa… tinham chegado de Lisboa… transcendências!


Postal de Alcobaça com uma data próxima à data da visita de Unamuno
1906

ALCOBAÇA


Cheguei de Lisboa a estação de Valado, já de noite, e de Valado a Alcobaça levou-me uma pequena carruagem desconjuntada. Afastei o frio e a solidão, imagi­nando o que seria aquele caminho envolto então em trevas: por onde vamos?
E foi um formoso amanhecer de fins de Novembro, num verdadeiro Verão de S. Martinho, quando sai para ver o histórico mosteiro de Alcobaça, outrora convento de bernardos.
O arrebol da aurora dourava as colinas, quando eu ia direito ao mosteiro, a fachada de cuja igreja atraía o meu anelo. Esta fachada, severa, mas pouco significativa, abre-se para uma grande praga estendida a toda a luz e todo o ar. Ao entrar no templo envolveu-me uma impressão de solene solidão e nudez. A nave, muito nobre, flanqueada pe­las suas duas filas de colunas nuas e brancas; tudo isto um pouco severo e robusto. Lá ao fundo, um retábulo deplorável, com uma grande bola azul estrelada e da qual irradiam raios dourados. As naves laterais semelham desfiladeiros. E encontrava-me só, e rodeado de majestade, como sob o manto da Historia. Vagueando, fui dar a sala dos reis. Os de Portugal figuram em estatuas, ao longo das paredes. No centro, um papa e um bispo coroam D. Afonso Henriques, o fundador da Monarquia, ajoelhado entre os dois. Há na sala um grande caldeirão, que o inevitável guarda-cicerone, que acudiu ao ouvir ressoar os meus passos na solidão, me disse ter sido tomado aos castelhanos na batalha de Aljubarrota. Debrucei-me sobre a sua borda; estava vazio.
Desta sala passei ao claustro de D. Dinis, hoje a restaurar. Formoso recinto, nobilíssimo e melancólico. A agua da fonte canta a solidão da Historia entre as pedras mudas de recordações, e um pássaro atravessa o pedago de céu límpido, de cair do Outono, a cantar quem sabe o quê. As pedras olham-se na triste verdura do recinto.
E depois passei para ver o outro claustro, mais vivo, mais íntimo, o chamado do Cardeal, onde hoje ha um quartel de artilharia. Todo o antigo convento de monges bernardos mostrou-mo um simples camponês fardado de soldado de artilharia. O pobre jovem somente via ali o quartel, sem saber nada de monges. «Aqui fazemos os exercícios, aqui é o picadeiro, aqui...», etc. Na porta do que foi antanho biblio­teca, dizia aquilo dos provérbios: viam sapientiae monstrabo; «mostrar-te-ei o cami­nho da sabedoria». E mostrou-ma um recruta português, mas estava vazia, e não era um caminho, mas uma sala. Queria mostrar-me, é claro!, as pecas, os canhões. (1)

Voltei a igreja, agora com o guarda. Mostrou-me o altar em que se representa a morte de S. Bernardo, uma cena um pouco teatral, que parece de um grande presépio de cartão, desses de Natal, mas não será o seu efeito. Um frade de pedra chora eternamente, levando o branco manto aos olhos, não sei se a morte do seu santo pai S. Bernardo ou a trágica historia de Inês de Castro. Porque defronte deste altar uma pobríssima grade de madeira fecha a capela onde descansam! por fim os restos da infortunada amante de D. Pedro I.
O guarda levou-me até aos túmulos de D. Pedro, de D. Inês e de seus filhos, e pedi-lhe que saísse, deixando-me só. Nunca na minha vida esquecerei esta visita. Naquela severíssima sala, entre a grave nobreza da branca pedra nua, a luz apagada e difusa de uma manhã de Outono, as brumas da lenda embuçaram o meu coração. Uma paz cheia de solidões parece deitar-se naquele eterno descansadeiro. Ali repousam para sempre os dois amantes, joguetes que foram do trágico fado. Como aves agoureiras, vinham-me a memoria os alados versos de Camões ao contemplar o túmulo da
«mísera e mesquinha Que, depois de ser morta, foi rainha.»
É porque o puro amor
«que os corações humanos tanto obriga»
quer, áspero e tirano, banhar as suas aras em sangue humano.
Descansam em dois túmulos de pedra Pedro, o duro, o cruel, o justiceiro, o louco talvez, e a linda Inês, e descansara de tal modo que, se se levantassem, ficariam face a face e poderiam outra vez beber o amor nos olhos um do outro.
Seis alados anjinhos guardam e sustém a estatua jacente de Inês, e outros seis a de D. Pedro; aos pés dela dorme um dos três cãezinhos que ali houve outrora, e aos pés dele um grande lebreiro, símbolo da fidelidade. O túmulo dele é sustido por leões; o dela, leões também, mas com cabeças de monges. Na pedra do sepulcro de Inês, a flor da paixão, a escrava do amor, cenas da Paixão de Cristo, do que perdoava a que muito pecou por ter amado muito; no lado da cabeça, a Crucificação, e no lado dos pés o Juízo Final, em cujo céu ha uma mulher. O sepulcro de D. Pedro mostra-nos o martírio de São Bartolomeu. Ele, D. Pedro, com uma cara plácida, com cabelos e barbas a moda assíria, sustém a sua dura espada sobre o peito.
E pesa ali um ar de tragédia.
Ali está o que resta daquele rei D. Pedro I de Portugal, um louco com interva­los lúcidos de justiça e economia, como dele disse Herculano; aquele homem para quem foi uma mania apaixonada a justiça e que era carrasco por suas próprias mãos. Ele, o adúltero, odiava com um ódio raro os adúlteros: seria o remorso? Ali descansa de suas justiças, das suas nemródicas caçadas ; ali descansa, sobretudo, dos seus amores. Ali descansa o tirano plebeu, a quem seu povo adorou.

«Quando voltava em batéis de Almada para Lisboa, a plebe lisboeta saía a recebê-lo com danças e trebelhos. Desembarcava e ia á frente da turba, dançando ao som das longas (trombetas) como um rei David. Estas folias apaixonavam-no quase tanto como o seu cargo de juiz. Por elas chegava a fazer loucuras. Certas noites, no paço, a insónia perseguia-o: levantava-se, chamava os trombeteiros, mandava acender tochas; e ei-lo pelas ruas, dançando e atroando tudo com os berros das longas. As gentes que dormiam, saíam com espanto as janelas, a ver o que era. Era o rei. Ainda bem! Ainda bem! Que prazer vê-lo assim tão ledo!» (Oliveira Martins, Historia de Portu­gal, Livro II, capítulo III.)

Não recordais a historia trágica de seus amores com Inês, que Camões, mais que qualquer outro poeta, eternizou? Ai por volta de 1340, foi a linda Inês de Cas­tro, galega, para Portugal, como dama da infanta Constança, a mulher de Pedro, o filho de Afonso IV. E foi a mulher fatal, como diria Camilo. O fado trágico fez com que se enamorassem; aquele amor ch'a null'amato amar perdona, como disse o poeta da Divina Comedia. Tiveram frutos dos trágicos amores; intrigas da corte e da plebe fizeram que o rei Afonso mandasse matar a nora, pois, viúvo de Constança, Pedro casou logo em segredo com Inés, que foi apunhalada em Coimbra:
«As filhas do Mondego a morte escura longo tempo chorando memoraram; e, por memoria eterna, em fonte pura as lágrimas choradas transformaram!; o nome Ihe puseram, que inda dura, dos amores de Inés, que ali passaram. Vede que fresca fonte rega as flores, que lágrimas sao a agua e o nome amores.»
E quando mais tarde D. Pedro subiu ao trono, conta a lenda que mandou desen­terrar Inês e coroá-la rainha, e, tendo-se apoderado de seus matadores, torturou-os barbaramente, vendo do seu palácio, enquanto comia, em Santarém, como os queimavam. E isto podeis lê-lo no velho e encantador cronista Fernão Lopes, que no-lo conta tudo homéricamente, com uma simplicidade tão animada que é um encanto.
Ele conta-nos tudo menos a exumação e a coroação, que parece ser uma lenda tardia, mas muito bela. E no fundo, de uma altíssima verdade transcendente.
Essa pobre Inês, que reinou depois de morrer... E de morrer por ter amado com amor de fruto, com amor de vida! Que reino e que rainha!... Rainha, sim, rainha no mundo das trágicas lendas, consola da tragédia da vida; rainha com Isolda, a de Tristão; rainha com Francesca, a de Paolo; rainha com Isabel, a de Diego.
Naqueles mesmos dias em que visitei em Alcobaça o túmulo de Inês lia A Mulher Fatal, de Camilo Castelo Branco; de Camilo, o que nos deu nos seus romances toda a alma trágica, fatídica, patética, de Portugal. «Acuso-me — diz Camilo nesse livro -de ter feito chorar com a minha fantasia muitas pessoas incapazes de verter uma lágrima balsâmica sobre uma chaga de miséria verdadeira.»

Sim, Camilo faz chorar: os seus livros parecem escritos com lágrimas de fogo, que escaldara. E toda a Historia de Portugal, não faz porventura chorar? Não é chorosa?
Num canto da capela de Inês e Pedro descansara os restos dos três filhos do trágico amor fatal, e os seus três sarcófagos de pedra, simples, toscos, são relicários plenos de recordações. Pobres jovens! Na mesma capela dorme o seu eterno sono D. Beatriz, a mulher de Afonso III, e D. Urraca, a de Afonso II. A que não está ali é Constança, a pobre Constança, a infeliz esposa de D. Pedro, a quem D. Inês serviu e a quem arrebatou o coração do seu Pedro. Ela, Inês? Não, que foi o Fado. Oiçamos o velho cronista Rui de Pina, que na sua crónica do rei D. Afonso IV nos diz com a sua homérica simplicidade que «o Infante D. Pedro filho primogénito herdeiro de El-Rei D. Afonso de Portugal foi casado com a Infanta D. Constança Manuel, como atrás hei declarado, e dela em vida de El-Rei D. Afonso seu pai houve dois filhos e uma filha, o Infante D. Luís, que foi o primeiro, e este em moço faleceu, ao baptismo, do qual D. Inês Pires de Castro foi comadre de El-Rei D. Pedro sendo Infante e da Infanta D. Constança, e isto se fez porquanto D. Inês andava em casa da dita Infanta por sua donzela, e parente, e sentia-se já que o Infante D. Pedro Ihe queria bem, e por se evitar entre eles outra afeição.»
Não adivinhais já tudo? Fizeram Inês madrinha do filho de Pedro, seu amante, e de Constança, sua amiga, para criar pela religião um incesto entre eles. Desta cir­cunstancia tirou formosíssimo partido Eugénio de Castro no seu belíssimo poema Constanza. E na Monarquía Lusitana (VII Parte, Livro X, Capítulo VI) diz-se que se fortaleceu a confiança dos amantes ao ver que as forçosas consequências do parto faziam que D. Constança estivesse presa na cama.
Desgraçada Constança, mas muito mais desgraçada Inês! Afinal, aquela reinou de certo modo no mundo e na vida; Inês, a do amor fatídico, não pode reinar senão depois de morta, e morta por mãos violentas. Aqui poderiam dizer-se as palavras com que termina o Freí Luís de Sousa, a clássica tragédia Portuguesa: «Deus aflige neste mundo aqueles que ama. A coroa de gloria não se da senão no céu.»
Com pesar despedi-me do pétreo caixão que encerra os despojos do que foi a beleza de Inês de Castro, a de trágica memoria. E ali, fica, entre as brancas pedras cistercienses do mosteiro levantado para comemorar a independência de Portugal. Contudo, o severo monumento, nu, solitário, silencioso, lembra, mais que a independência da pátria, a independência do amor. Portugal, que, como Inês, amou muito e amou tragicamente sob o jugo do Destino —, não reinará também depois de morrer? A desgraçada amante não é um símbolo prefigurativo, um augúrio, dessa terra linda, linda como Inês, vítima também de fatídicas paixões?
Com pena, com pena de solidão, deixei aquela capela de amor fatídico, e, atravessando o templo voltei a ver a luz do céu. Sorriam com um sorriso outonal as coli­nas, sorria Alcobaça, uma vila branca de casario, verde de campo, risonha, florida, aberta, campesina e nobre, industrial e histórica. O seu rio é um rio de fábricas, ladeado de muros e rumoroso, desses que movem máquinas.

Voltei ao hotel — o Hotel Alcobacense — a pensar em Inês. Sobre uma pequena mesa, na sala de jantar, encontrei a London Opinión e a Revue des Voyages... Para que conste...
Percorri, agora de dia e numa carruagem colectiva, o caminho que na noite ante­rior percorri as escuras numa carruagem pequena e desconjuntada. Um caminho deli­cioso de campo, mais aberto que os do Minho e mais viçoso.
E outra vez no comboio, nesse odioso comboio, num desses insuportáveis vagões de caminho-de-ferro. Para me recompor ia a pensar no que seriam as viagens por essa encantadora terra portuguesa, toda carinho, naquelas diligencias de campainhas sempre a retinir de que nos fala António Nobre numa das suas mais íntimas poesias: «E, dia e noite, aurora a aurora, / Por essa doida terra fora, / Cheia de Cor, de Luz, de Som». E passavam moinhos de vento, eiras, solares, antepassados, rios, luar, paisagem etérea e doce, ao qual Nobre confessava dever u:-i» o que era, depois do ventre que o trouxe.
«E enquanto a velha mala-posta, / A custo vai subindo a encosta / Em mira ao lar dos meus Avós, / Os aldeões, de longe, alerta, / Olham pasmados, boca aberta... / A gente segue e deixa-os sós. // Que pena ver os que ficam! / Pobres, humildes, não implicam, / Tirara com respeito o chapéu: / Outros passando a nosso lado / Diziam: 'Deus seja louvado!' / 'Louvado seja! dizia eu. // E, meiga tombava a tardinha...» Uma paragem súbita, o grito de um rapaz a anunciar uma estação cortavam--me o sonho em que António Nobre me levava. E o comboio voltava a partir e eu voltava a sonhar.
A subida de Novelas, o gordo e rubro Cábemelas, o repouso na estalagem de toalhas brancas, marmeladas, o cuco da sala a dar as horas. E depois «Caía a noite. Eu ia fora, / Vendo uma estrela que lá mora, No firmamento português: / E ela traga-me o meu fado/ 'Serás Poeta e desbragado!' / Assim se disse, assim se fez.» E tudo o mais que Nobre nos conta até que chega a casa.
E em casa esperava-o a sua avó, que, abraçando-o, exclamava: «Qu'é dos teus olhos, dos teus braços, / Valha-me Deus! como ele vem!», e outras mil doçuras. Ele entrava no seu quarto, «Tudo tão bom, tudo tão farto! / Que leito aquele! e a agua, Jesus! E os lençóis! rico cheiro a linho! / — Vá, dorme, que vens cansadinho. / Não adormeças com a luz!» Mas ele deitava-se, mudo e triste; a avó acrescentava: «Reza também o Tergo, ouviste?», os versos a bailar dentro dele, e tirava as escondidas um livro que levava oculto no seio, e lia, lia Garrett... 4I
Também eu, ao chegar a Figueira da Foz, e ao cair sobre uma daquelas duras camas portuguesas, mas não na casa de meus avós, sim num hotel, me pus a ler, mas não Garret, sim Camilo. E assim como Nobre adormecia com a ideia daquela tia Doroteia de que fala Júlio Diniz, adormeci com a ideia daquele pobre Carlos Pereira, um dos pobres escravos do destino, de que nos fala Camilo. E com a lembrança da fatídica Inês de Castro, cujos despojos deixei a dormir em Alcobaça.
Salamanca, Dezembro de 1908.