sábado, fevereiro 17, 2007

CARNAVAL







Há quem afirme que o Carnaval teve origem na cultura greco-romana por existirem coincidências entre esta festa e certas manifestações culturais semelhantes no mundo clássico. Alguns dizem ser falsa a ideia segundo a qual o Carnaval procede das Saturnais (festas em honra de Saturno). A nota principal destas festas era a inversão do papel das classes sociais. Os servos mandavam nos seus senhores e estes obedeciam alegremente aos seus criados. Outros remontam a origem do carnaval às celebrações Dionisíacas ou aos bacanais dionisíacos gregos, e outros ainda às romanas Lupercais e às calendas de Inverno. Alguns filólogos, também especularam sobre a origem da peculiar festa, mas partindo da etimologia da palavra Carnaval. Como fenómeno social devidamente codificado, o Carnaval, foi a partir da Idade Média uma festa que estruturava um dos eixos da cultura popular. Ao ser dotado de uma densidade simbólica sem outro modelo paralelo, é imprescindível entendê-lo, para quem queira “conhecer” a cosmo visão das classes populares de então. Porque o Carnaval, além de formar um conjunto de ritos e usos mais ou menos estandardizados, era então o expoente dos temores e aspirações do imaginário colectivo da sociedade medieval e era uma arma simbólica contra as injustiças, a desigualdade o terror e uma aposta por um ideal utópico. Até certo ponto o Carnaval era uma peça indispensável no equilíbrio social do jogo de tensões entre as classes dominantes e as dominadas e não era em vão que ambas as classes viam nesta festa uma saudável libertação das tensões sociais latentes e o antídoto às confrontações abertas, pela deslocação dos problemas para o plano do jogo e da representação simbólica.

Na actualidade a política, tornou-se numa contínua liturgia carnavalesca. Ao povo, como sempre, está destinado o papel de bobo. Os partidos e (alguns) governantes transformam-se em meras representações de carácter simbólico, de interesses obscuros que em nada servem os de quem afiguram.

Ao invés, na Idade Média a liturgia carnavalesca além de ter um calendário próprio supunha ainda alterar os aspectos básicos em que se fundamentava a vida, a ordem, a austeridade, a fome e a capa ideológico-religiosa. Tratava-se de uma exortação, nomeadamente naquelas áreas que eram mais objecto de gozo, como o corpo, as relações sociais, a ordem jurídica e eclesiástica, a decomposição, a morte e o nascimento, as hierarquias sociais, o pecado e o delito, tudo isto era submetido a esse escárnio grotesco como forma de fazer todo o confronto muito mais leve...O problema era o dia seguinte tal como na actualidade!

Ps. Todo o comentário bem disposto e elevado é bem vindo.

12 comentários:

Anónimo disse...

Um magnífico artigo. Penso que é bem verdade que nos dias de hoje vivemos toso o ano em plena festa carnavalesca, basta-nos abrir as páginas dos jornais. Mas invés de outros tempos, temos algumas "armas" para fazer frente a essa festa carnavalesca.
Um abraço e Bom Fim de Semana

ANTONIO DELGADO disse...

Não tenho a menor dúvida, amigo Ludovicus Rex, sobre o que expressa. Quanto às armas o problema é que muito poucos ousam levanta-las. Igualmente bom fim de semana para si e boa (re) leitura do "Enigma" de Robert Harris.
Abraço.

José Alberto Vasco disse...

Um belíssimo exemplo de manutenção dessa liturgia carnavalesca da Idade Média são ainda as características e impagáveis "Cegadas" da Nazaré, cujos huomorados grupos circulam pela vila e pelos locais de convívio carnavalesco (desfiles, bailes, cafés,etc) ironizando ao vivo sobre acontecimentos da politica local, fazendo-o mesmo muitas vezes frente-a-frente com as figuras políticas por eles criticadas, cujo sorriso amarelo se torna por vzezs bastante esclarecedor, embora revelem noemalmente "bom estômago" para ouvir essas críticas, que por vezes são mesmo bastante cáusticas e contundentes... Já lá assisti a esse género de arte frente-a-frente com políticos locais e nacionais, ou até altos responsáveis judiciais... É claro que nesse campo a Nazaré funciona um pouco como um mundo aparte do todo nacional, bastante mais voltadao para palhaçadas ridículas...

LLUVIA disse...

Gracias ANTONIO por tus hermosos comentarios , en mi espacio.

" La felicidad emerge y demuestra cuánto nos necesita, bien vivos, para manifestarse plenamente"
Dice creo que es BUDA: "Si no puedes mejorar lo dicho por el otro, guarda el noble silencio".
Lo guardo.

Tambien me han gustado mucho otras palabras tuyas:
" Pero no quiero que me ahorren dolores, para que no me ahorren alegrías"
Esas palabras hablan mucho de tí..
Y muy bien!

Antonio he entendido perfectamente tu artículo sobre el carnaval. ¡Ya se leer portugués!
Pero los carnavales, no me gustan nada ¿para qué? si hay máscaras todo el año!

El cuadro que has puesto es genial.

Un forte abraço

LLUVIA disse...

Hola ANTONIO
Me han pasado un juego. Te lo transmito tambien a tí.
Si pasas por mi blog te informarás de lo que se trata.

Sin obligaciones de ningun tipo, pero estás invitado.

Un beijo

Anónimo disse...

...então e o carnaval? ...na Nazaré.. já acabou?" perguntei á classe. - Só, na 6ª.. no sábado...no domingo! Em que ficamos?
Domingo!!! os da Nazaré, passam o ano todo a trabalhar... e assim, estes dias, ninguém dormi!

Grande gentileza e amizade de resposta. Identidade qb.

...Até Domingo tenho de à da Nazaré! como se diz no Alentejo!

Há carnavais e carnavais... porra!
Cumprimentos ao Ulisses
ZQ

Anónimo disse...

Parece-me meritória a resenha, António; porém, seria interessante levantar a base antropológica da dualidade entre Carnaval e Entrudo ou mesmo atentar nas incómodas peculiaridades de algumas manifestações vernáculas, de génese pré-romana, do género dos caretos, zés-pereiras, etc. para perceber quão domesticada anda a sátira. - Haverá paralelo entre Alberto João Jardim e Gil Vicente?

ANTONIO DELGADO disse...

Estimado JAV
De facto o Carnaval da Nazaré é assim. Mas sendo sincero não gosto do Carnaval em si nem do simbolismo com que se reveste: “o de um mundo ao revés” onde por instantes os jogos de poder e representação se invertem. Acho o Carnaval atávico e despropositado nos tempos que correm. O fenómeno pode ser muito catártico, o pior é o dia seguinte. Porque nele, os principais actores são de novo confrontados com a vida de todos os dias e alguns, senão a grande maioria regressa à mediocridade a que estão “destinados” como um fado ( o que empolga o género musical que Sócrates confessou à Times Magazine não gostar)...um destino ... ou como dizem “é a vida” num fatalismo que parece não ter remedio. No entanto como fenómenos social interessa-me o seu valor antropológico pela livre adesão das pessoas ao hilariante e ao burlesco. Este fenómeno é muito típico em sociedades muito cristianizadas onde a dualidade e o fingir podem caracterizar tanto o grupo como o individuo. Mas as duas grandes realidades que o Carnaval imana e que são a Burla e o Humor interessam-me sumamente por serem responsáveis pela característica que da a uma série de géneros artísticos a jocosidade, a paródia mordaz e a sátira. Realidades que trespassam a literatura a pintura a escultura as artes cénicas e boa parte da musica, tanto a erudita como a popular. Nesta ultima recordo-lhe as populares “cavalhadas” ou o cantar à desgarrada. Formas de expressão que não deixam de ser devedoras da anterior. Até mesmo a canção de intervenção se esgravatarmos bem, tem lá as suas origens. Como expressei ao povo cabe sempre o papel de bobo e o da Nazaré não andará longe. Apesar dessa terra ser um “ghetto cultural” pelas suas peculiaridade, essa condição deveria de ter mais atenção por parte da comunidade cientifica (historiadores, antropólogos, etnólogos e sociólogos) no entanto entendo que seria exigir muito a um país onde infelizmente a ciência e boa parte da opinião ainda anda muito em volta do missal, da agua benta e do confessionário. E os jornais locais que poderiam ter um papel importante na divulgação da cultura são por vezes espaços para exposições de banalidades...salvo algumas esporádicas e honrosas excepções!

ANTONIO DELGADO disse...

Holla lluvia
Me alegro que hayas gustado de mi escrito porque efectivamente me salió del alma. Después me gustó mucho la sencillez de tus palabras e sobretodo esa máxima de Buda…Antológica.
Buen como ya sabes leer el portugués voy a expresarme en este idioma cuando comente tu blog… te parece?
De verdad que a mi tampoco me gustan los carnavales porque las mascaras existen todo el año. La vida efectivamente es un gran carnaval y el escenario no andará muy lejos del de la pintura que mucho te gustó.
Un abrazo azul como el color de los toros en la canción de Marisol
Ps. pasaré el fin de semana por tu blog para ver lo que cuentas…vale?

ANTONIO DELGADO disse...

Olá ZQ
É assim caro ZQ já te tinha dito. Ainda irás ter mais surpresas...não desanimas e vai apontando para veres quantos carnavais vais tendo ao longo do ano.
O Ulisses ficou muito contente e manda cumprimentos ao Poika uma abraço vós.

ANTONIO DELGADO disse...

Viva Paiva
O tema do Carnaval é muito interessante porque assenta numa dessas bases que estruturam a parte espiritual de uma sociedade que é o seu lado escatológico. Tal como a religião a escatologia um magma ou um caldo onde tudo pode caber até a ideia de salvação. E neste ponto o sentido catártico do Carnaval era terapêutico para as mentalidades de então. Servia de amortecedor entre as relação com o poder existente. Naquele mundo padronizado, nas ideias um Deus imutável, castigador e impiedoso, na figura do Rei tirano e nos valores intolerantes da fé Cristã, a efeméride representava o momento possível, onde o comum dos mortais sem sofrer consequências, podia temporariamente inverter o sentido desse jogo. A este nível, os sínodos, são muito esclarecedores. Como sei que gostas de cultivar-te aconselho-te a leitura dos medievais. Sobre o antagonismo ou dualidade que falas entre Carnaval e o Entrudo prefiro o termo dualidade. E entre estas duas definições em termos de símbolo linguístico e significado há, em meu ver, apenas pequenas nuances que são mais de ordem conceptual que formal. Concordo que a sátira está muito domesticada mas temos de ter presente que o jogo passou para os jornais imprensa, a economia, a bolsa de valores etc etc o espectro de actuação é maior e não apenas confinado ao espaço publico como antes. É por isso é que considero o Carnaval um sintoma de tempos bárbaros e de uma era atávica. Sobre o Alberto João e o Gil Vicente. O primeiro é um autêntico fóssil de si mesmo e a personificação deste fenómeno que dia a dia tem ajudado a secularizar. O Gil Vicente está para nós, ao nível da representação das mentalidades, no século XVI no género literário, aquilo que o Brueghel está para a cultura ocidental ao nível da imagem , no mesmo século mas com a pintura. Entre o Alberto João e o Gil Vicente divirto-me mais com o último.

Lúcia Duarte disse...

olá antónio,
eu acho que o carnaval é a única época do ano em que consigo "engolir" certos autarcas.
o problema é que, depois do enterro do carnaval, se esquecem de mudar de personagem.