sábado, maio 30, 2009

SOBRE O NOME DE ALCOBAÇA (Recordando)



Alguns autores esforçaram-se para demonstrar que o nome de Alcobaça provem do latim, do árabe ou do hebreu e também pela junção do nome dos dois rios que convergem na povoação. Nunca percebi porque é que o mesmo exercício intelectual não se faz ao contrário: derivar o nome dos rios do nome do lugar.

O curioso destas teorias é que elas só conseguem justificação a partir de uma tabela linguística da qual apenas faz parte o latim o hebraico e o árabe, que são as línguas das três religiões monoteístas que se disputaram na península ibérica. Este aspecto é suficiente para entender que a explicação do nome de Alcobaça está condicionado por aspectos ideológicos. Mas existe outro detalhe curioso para juntar ao anterior, que é estas explicações surgirem apenas de fontes religiosas e registadas num tempo em que o catolicismo dominava a comunicação e recolhia ou inventava estas teorias, retirando-as das outras culturas que ia suprimindo. Deste modo nenhuma outra lhe fazia frente e o caminho estava livre para reivindicar a sua tutoria moral e cientifica sobre as consciências humanas, já que possuía o monopólio do saber.

Clarificada a estratégia, ou separado o “trigo do joio”, podemos verificador que a ideia de derivar destas línguas o nome de Alcobaça, tem ainda a intenção de fazer crer aos menos avisados, que só se falou nesta região depois da chegada daqueles idiomas, ou que o lugar não era habitado, ou então levar o leitor a pensar que os antigos habitantes da actual região de Alcobaça viviam na mais completa mudez. Destas ideias ao messianismo ou à soteriologia vai um passo.

O mais estranho é que esta forma de pensar obscurantista e que pretendia esterilizar os canais do conhecimento ainda hoje persiste e é registada com o maior ar de ciência pelos chamados investigadores de caneta ligeira ou então pelos oníristas, como na gíria sociológica se designam certos licenciados em historias ou mesmo em letras.

O estudo da origem do nome de Alcobaça, vincula-se com a linguística, uma ciência que é pouco ou nada experimental e pouco aberta a estudos comparativos, e que só raras vezes admite outras matrizes além da latinista. Ao escolher falar da origem do nome de Alcobaça não me move a intenção de revelar uma teoria nova sobre o assunto, até porque penso que saber a origem do nome de Aalcobaça é como procurar o “rasto do voo de uma ave no céu”. É intenção mostrar que o problema está envolto por questões ideológicas e paradoxos que o limitaram e o que se tem afirmado é fácil de refutar, sobretudo as explicações sobre uma origem árabe.

Vejamos num pequeno exemplo como se deturpa a realidade e como num mesmo autor se podem encontrar contradições. No Livro “ Mappa de Portugal”. do padre João Bautista de Castro. Editado em Lisboa na Offic. De Miguel Manescal da Costa, Impressor do Santo Officcio. Anno de M.DCC. XLV. Encontramos a seguinte informação sobre os rios que passam na povoação.

Alcôa. Corre pelas terras de Alcobaça, a qual deve a este rio a origem do seu nome ( Pag. 142 op.cit.)

Baça. Este rio, junta-se com outro chamado Côa, nasce da parte oriental de Alcobaça, e fazendo volta para ocidente, rega por grande espaço os fertilissimos campos da Mayorca, e Abbadia, até que junto da villa da Pederneira se mergulha no Oceano.(Idem. Pag. 150 e ss.).

Se acatamos estas informações vemos que rio Alcoa mudou de nome para Côa oito páginas adiante quando o autor descreve o rio Baça. Ou então este geógrafo revela-nos que um rio se sumiu da superfície da terra naquela região, pois não se deu conta do erro que cometeu. O erro deste padre é típico da ciência que se caracteriza pelo método boca à orelha e pelo saber do NÃO SEI... OUVI DIZER!

Apesar da contradição este religioso testemunha-nos que a ideia de derivar o nome de Alcobaça do nome dos rios já vem de longe.

A designação de Côa é corrente, em manuscritos, livros e documentos oficiais a partir do século XVII. Ainda no século passado era assim que se designava nas actas da câmara. A versão arabista de nomear Alcôa em vez de Côa, foi uma opção que a cultura local terá assimilado recentemente e julgamos que as duas formas de identificar um mesmo rio coexistiram desde tempos mais arcaicos, talvez pela influência dos mouros que terão ficado depois da reconquista. Um aspecto que a história local omite ou desconhece intoxicada e fechada que está no mosteiro nos conventos, nos frades e monjas. Boa maneira de distrair e desviar do mais importante. A verdadeira história de Alcobaça continua por conhecer.

Vejamos como seria o nome de Alcobaça se houvesse respeito à construção desta palavra pelo nome dos rios. Se à palavra Côa juntamos Baça, obtemos Coabaça. Como o linguarejar é dinâmico e procura o menor esforço na articulação dos sons, é possível que esta palavra sofresse uma corrupção linguista e com o tempo passaria a pronunciar-se Cobaça, Cubaça , Cabaça ou Quebaça.
Como o Al não existe na designação original, e em árabe é o artigo definido o ou a, teríamos a verdadeiro designação da terra por o ou a Cobaça, Cubaça, Cabaça, Quebaça! Sabem o que significa qualquer uma destas palavras?

Já repararam existe outro rio em Portugal que se chama Côa, e que nas suas margens se fizeram descobertas arqueológicas, o que provocou que o partido do actual governo transformasse o projecto de uma barragem em parque temático. Estas gravuras rupestres foram recentemente classificadas pela Unesco. Sabem que as margens do rio Côa, na nossa terra, à semelhança do Côa no Norte, também têm lugares arqueológicos onde se encontraram vestígios de antigos "Alcobacenses” que habitaram a região? Os tais que viviam na mudez! Ou sabem que esses lugares estão recenseados como dos primeiros núcleos de população que praticou a agricultura em Portugal? Imaginem que a palavra Côa fazia parte de uma língua muito arcaica da que se perdeu a memória e da qual subsistem palavras que são as designações de determinados lugares. Esta antiga língua era anterior ao hebraico, ao árabe e ao latim, que depois de colonizada e misturada com aquelas deu o actual crioulo que é o Português. Pensem nisto... Mas não comentem com certos latinólogos, nem certos arqueólogos porque parecem que ainda são muito misoneístas.
Ps. Este artigo foi publicado num dos jornais locais no ano de 1998 se a memória não me falha.

4 comentários:

A. João Soares disse...

Caro António Delgado,
Felicito-o por este bom trabalho que aponta o dedo para os «intelectuais», superficiais e preguiçosos que, não tendo competência e paciência para investigarem racionalmente, se ficam pelo que ouvem e lêem em papeis de pouca qualidade científica.
Um abraço
João

Jorge Casal disse...

De facto, entre nós, a Etnografia e a Etnologia portuguesas têm sido tratadas por provincianos ignorantes. Os escritores de Provincia servem-se da opinião de um qualquer «senhor doutor» para difundirem os erros tradicioanis. Alguns recorrem aos escritores do passado. Partem do princípio de quanto mais antiga for a «opinião científica» mais valiosa e certa é ... como o vinho e como os amigos. Ora a ciência é exactamente o contrário: quanto mais antiga é a opinião mais possibilidades tem de ser falsa, porque a ciencia é precisamente renovação e inovação. Outros escritores recorrem ao inquérito: perguntam ao povo local o porquê, a significação deste ou daquele nome de sítio e, como o povo é numericamente maioritário, deduzem que «a maioria diz que», assumindo a asneira crassa, anterior a Galileu Galilei e obscurantista, que reza «Vox populi vox Dei». Ora, em todos os casos, a ciência nunca é uma posição maioritária, e sempre a duma minoria de informados e de investigadores.

Mas, numa cultura de iletrados, como é que podemos lutar contra estas tendências provincianas?

Zé Povinho disse...

Em Portugal são poucos os que se debruçam sobre as evidências e testemunhos, mas são muitos os que "agarram" em textos de outrem e escrevem o mesmo por outras palavras, porque é mais fácil.
Abraço do Zé

Cila disse...

Olá António,
Concordo plenamente quando afirmas:
“…não me move a intenção de revelar uma teoria nova sobre o assunto, até porque penso que saber a origem do nome de Alcobaça é como procurar o “rasto do voo de uma ave no céu”. …”.
Mas admiro o teu empenho no esclarecimento de questões como esta.
Bjo
Cila