quinta-feira, agosto 13, 2009

O QUE É QUE A IGREJA CATÓLICA TEM A VER COM O CASAMENTO CIVIL?


ARTIGO DE OPINIÃO DO PROF. MOISÉS ESPIRÍTO SANTO, PUBLICADO NO JORNAL DE LEIRIA, EM 30 DE JULHO E QUE RECOMENDO VIVAMENTE.

O Prof. César das Neves, (DN,13.7), sob o título «A nova questão religiosa», prevê uma guerra religiosa se o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo for instituído: «Pela primeira vez desde 1974, um dos grandes partidos nacionais apresenta no seu programa uma medida claramente oposta à doutrina da Igreja Católica. A moção aprovada no XVI Congresso Nacional do PS de 1 de Março propõe ‘a remoção, na próxima legislatura, das barreiras jurídicas à realização do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo’». O texto é explícito: «casamento civil». E continua: «O que não há dúvida é que, depois de toda a campanha do aborto, das várias leis antifamília e múltiplas beliscadelas administrativas, se pode dizer que a Igreja Católica, pela primeira vez desde o 25 de Abril, enfrenta uma oposição séria e profunda do poder político». E depois: «Começa haver uma questão religiosa em Portugal»... para aconselhar os partidos a redigir os seus programas eleitorais de acordo com a doutrina da Igreja.
Pergunta-se: O que é que a Igreja tem a ver com o casamento civil? Uma questão tão pertinente como estoutras: O que é que a Igreja tem a ver com o emparcelamento das propriedades? Ou com o Código da Estrada? Ou com o Direito Contratual? César das Neves é um conhecido pregoeiro das posições fundamentalistas de alguns católicos (que são as de Bento XVI), mas quanto conheço da hierarquia da Igreja portuguesa, esta não alinha assim tanto, concebendo como mais vantajosa a Separação, a doutrina do Evangelho que diz: «A César o que é de César e a Deus o que é de Deus» (Mateus, 22,21), quer dizer, «ao Estado o que é do Estado, à Igreja o que é da Igreja».
O casamento «civil» não é um acto religioso, nem obriga os católicos. Se, por causa desta questão, houvesse uma guerra religiosa, ela seria provocada pela Igreja por se intrometer no que não lhe diz respeito. A guerra religiosa seria legítima se o Estado interferisse no sacramento católico do Matrimónio.
E até podíamos perguntar: «O que é que a Igreja tem a ver com o casamento, simplesmente»? Os povos sempre se casaram como as leis civis regulamentavam (ou não). A Igreja procura confundir «casamento (civil)» com o sacramento católico do Matrimónio. Mesmo aqui, os católicos tementes a Deus que queiram casar-se só pelo civil, estejam à vontade: não foi Jesus quem instituiu o sacramento do Matrimónio Este só data de 1215 (IVº Concílio de Latrão) e só foi incluído na lista dos Sete Sacramentos, «condições da Salvação», no Concílio de Trento (1570). Até 1215 não havia Matrimónio, mas só uma união civil. Jesus nunca falou de casamento, embora tivesse participado em bodas de casamento. Aliás, também nunca se referiu à sexualidade, hetero, homo, bis, trans ou seja qual fôr. O casamento bíblico, antes e durante a vida de Jesus Cristo e dos Apóstolos, era unicamente um contrato civil. Até era legitimamente polígamo, e com possibilidades de ruptura ora com o repúdio da esposa pelo marido ora com um divórcio igualitário. Jesus condenou o repúdio, mas não o divórcio igualitário. Excepto o repúdio, Jesus e os Apóstolos não tocaram neste regime bíblico, nem condenaram a poligamia. No entanto, a Bíblia, Jesus e os Apóstolos condenaram - e veementemente - o adultério que equivalia a um crime contra um contrato de exclusividade e contra a propriedade privada.
Numa época como a nossa, de egoísmo e de solidão individual, e no sentido de expurgar todas as formas de descriminação (que também é um ideal do nosso tempo), o melhor para a Igreja seria dedicar-se à defesa da fraternidade, do amor, da igualdade, da harmonia e solidariedade entre os humanos, independemente do género e das instituições civis: «Amai-vos uns aos outros como eu vos amei» (João 13,14). O casamento entre pessoas do mesmo sexo conjuga-se melhor com estas palavras luminosas do que o segregacionismo católico. Se este prevalecer e se, por acaso, os gays, lésbicas e transexuais descobrem o que São Pedro disse ao centurião Cornélio, a saber, «Deus não faz descriminação de pessoas» (Actos 10,34), os descriminados podem sentir-se obrigados a sair para a rua e gritar «Com Jesus Cristo, contra a Igreja!».

14 comentários:

Pastora disse...

Mais de quatro séculos depois de Hobbes e de quase três após Rousseau, ainda aparecem tentativas de entrelaçar o poder religioso com o poder civil. Que fazer? Ensinar, contestar, dar oportunidade a que corrijam.
Concordo inteiramente com o que diz, o mundo tem falta de amor e a solidão é o maior pecado.

“E não era pecado
pecado original, a solidão - ,
era a surpresa perecível de amar.”
António Osório, Adão, Eva e o Mais

pastoradaestrela

Pata Negra disse...

Nos tempos que correm a questão já não pode ser "o que é que a Igreja Católica tem a ver com o casamento civil?" mas sim "o que é que o Estado tem a ver com as relações entre pessoas?".

Um abraço laico e libertário

Luís Galego disse...

a estupidez pelos vistos presiste...não percebi porque deve a Igreja ou o Estado meterem-se na cama dos cidadãos, que pelos vistos pagam impostos, independentemente das suas orientações e afectos...

um abraço

Cila disse...

Olá António,
Gosto muito dos textos e ideias do professor Moisés Espirito Santo e apreciei este particularmente.
De facto nem a igreja nem o estado se devem imiscuir na felicidade dos cidadãos em coisas que têm a ver com a sua intimidade.
Concordo plenamente com o comentário anterior.
Bjo
Cila

Mentiroso disse...

O que tem a ver? A resposta é dupla, mas bem simples.

«Casamento» é uma palavra antiga que tem o seu significado e ele nada tem a ver com a união de dois seres do mesmo sexo. Será uma questão de dialéctica, mas é uma questão com raízes inabaláveis, posto que, como é conhecido, a tradição linguística é quase tão importante como a etimologia. Para contornar este caso será necessário dar um outro nome à união em causa. É a própria lógica. A Igreja apenas tem a ver por er sido ela a transmitir a instituição do casamento nas civilizações ocidentais, donde, pela linha seguida, pode ter razão de que não goste que mudem o sentido e o significado a uma palavra com uma tradição tão arreigada. Isto é um tópico que visto deste ponto realista até nada mais tem a ver com a Igreja. É apenas assim. Portanto, o Direito Contratual e o Código da Estrada não são comparáveis e utilizá-los como exemplo é o mesmo que «deitar barro à parede a ver se pega», atirar areia aos olhos dos ignorantes, tentar vigarizar, ou algo de comparável.

A própria lógica é também a segunda resposta ao mesmo assunto, simples e curta. A junção de dois animais do mesmo sexo, mesmo que exista, é contra a natureza. Basta pensar um pouco.


O que mais custa a compreender é que haja realmente tanta gente que não veja a questão, que se coloque dúvidas e que acredite em tudo o que ouve.

Outro erro no artigo é que o casamento religioso, tal como é, não é apenas um sacramento Católico, visto abarcar outros ramos do Cristianismo e outras religiões. Ou não? Não, não foi Jesus quem instituiu o casamento, pois que quando ele nasceu este já existia desde a alvorada dos tempos (lê-se no próprio artigo). A questão de Latrão deve tomar-se como um reconhecimento, uma dogmatização ou uma oficialização e nada mais. Afinal, essa oficialização limitou-se a pôr as regras tradicionais por escrito. Não se passou idêntico noutras religiões? O adultério, na óptica de Jesus, não constituía um «crime contra um contrato», é materializar o assunto. Já estava explícito nos 10 Mandamentos de Moisés, como tal uma ramificação dos dois mandamentos de base, em que o segundo era «amar o próximo como a si mesmo», pois que infligiria sofrimento ao próximo.

A questão da discriminação (e não descriminação, com significado diferente – será o professor iletrado como os médicos que dizem biópsia, entochicado e outras do género?), nada tem a ver com casamento. Com efeito nada impede a união de anormais, visto todo o ser, normal ou não, ter os mesmos direitos, inclusive o da escolha. Não existe, pois, razão para que tal se impeça, sendo-lhes concedidos todos os privilégios relativos ao casamento, salvo a adopção de crianças, a não ser que se pretenda obrigá-las a tomar o anormal por normal e outras razões em favor delas. Afinal é apenas isso, uma questão de interesses e direitos, visto as uniões existirem de facto e nada impedir que elas continuem a formar-se.

Só não lhes chamem «casamento», designem-no por qualquer outro termo. Ignorar o significado das palavras também é ser iletrado. Compreender esta caso doutra forma não é acertado; tentar retorcer as ideias para ter razão, enganando os outros com patranhas é ridículo e de má fé. É mesmo de crer que se fosse este o caminho tomado, a Igreja não faria a mesma pressão. Agora, tentar comparar o incomparável, quando apenas se trata duma questão de direitos e interesses muda o assunto e torna-o vulnerável.

ANTONIO DELGADO disse...

Caro Mentiroso,

o texto entre aspas foi escrito pelo prof. Moises Espirito Santo como sendo um comentário ao seu comentário.
Cordialmente
António Delgado

" Casamento e matrimónio
Li com muito interesse a crítica que me faz o Mentiroso. Quanto à etimologia de «casamento»: antes de mais, as coisas e os fenómenos sociais pouco têm a ver com os nomes com que os classificam. O termo latino Deus, vem do grego «theos» que, etimologicamente, significa «corredor». Referiu-se ao Sol. E hoje, o Deus dos cristãos tem alguma coisa a ver com «correr» ou com o sol? Em Português, casamento significa «constituir um casal» ou «fundar uma casa» (no sentido antigo de «casa/família»). Em latim «matrimonium» significa «função de mãe». Em francês «mariage» significa «domínio do marido». Como estão a ver, o casamento actual pouco tem a ver com as etimologias. Os fenómenos sociais não nos interessam pelas etimologias dos nomes por que são conhecidos mas pelo facto «experiencial», social e humano, em si. Hoje, há milhentas famílias constituídas apenas por duas pessoas enquanto antigamente uma «casa» incluia dezenas de pessoas, contando com escravos, servos e adoptados. Sociologicamente, duas pessoas do mesmo sexo a residir em conjunto com compromissos de afectos, de assistência e de solidariedade são uma família como as outras (a casa onde nasci era constituida pelos meus pais e por oito irmãos; hoje, as famílias/casas comportam apenas uma, duas ou três pessoas). Portanto, sociologicamente (só me interessa analisar esta questão pelas Ciências Sociais) o conceito de família/casa mudou. Dizer que «foi a Igreja católica quem difundiu o casamento no Ocidente» tem o o mesmo valor do que dizer (ouvi-o há dias dum pescador de Sesimbra, na SIC): «a pesca foi inventada por São Pedro». Nem estou para me cansar a demonstrar que o casamento já existe desde as primeiras comunidades de Homo Sapiens. Que o casamento tivesse sido polígamo (um marido com várias esposas) como na Bíblia e no Corão, poliândrico (uma mulher com vários maridos) como no Tibete actual, ou monogâmico (um marido e uma esposa) como no Ocidente, é uma questão de culturas e de épocas históricas.
Depois, «casamento» e «sexualidade» são objectivos diferentes. Pode haver casamento sem o objectivo da sexualidade (só para os afectos, a assistência mútua e a solidariedade). A Igreja pode proibir aos católicos, na esteira do Antigo Testamento, a homossexualidade (e, até, todas as formas de sexualide hedonista, que não tenha, em vista a procriação), mas não tem que se intromentar no casamento enquanto instituição civil.
Não vale comparar a sexualidade animal com a sexualidade humana. A união entre dois machos animais é contra-natura? Pois em muitos casos e circunstâncias, os animais machos acasalam-se sexualmente. De qualquer forma, repito, não vale comparar coisas incomparáveis. Os animais têm APENAS institinto e reflexos condicionados enquanto os humanos funcionam pela CULTURA que pode - e deve - opôr-se ao instinto natural. Comparar a sexualidade humana com a sexualidade animal é coisa de crianças e de mentecaptos.
De todas as religiões, a Igreja Católica é unica que considera o Matrimónio («casamento», em latim) como um «sacramento», um dos sete e «condições da Salvação». Segundo a teologia católica dos sacramentos, e tendo em vista a «Salvação eterna», o Matrimónio católico é a única condição para que as relações sexuais sejam permitidas; repito: as relações sexuais de quem se quiser «salvar» só podem existir dentro do Matrimónio católico, indissolúvel, sem divórcio. É o que consta da teologia dos sacramentos saída do Concílio de Trento (1570). Não tenho culpa que, hoje, já poucos católicos acreditem nessa (absurda) teologia medieval «definitiva, eterna, inspirada pelo Espírito Santo» como lá está escrito. As outras igrejas cristãs (protestantes) e as outras religiões (judaísmo, islão, induísmo, budismo...) não atribuem «valor salvívico» ao casamento (latim, «matrimónio»)."

Mentiroso disse...

Estimado Professor,

Agradeço a sua resposta, a qual li atentamente e com a merecida consideração. Concordo com a sua dissertação salvo nalguns pontos.

Não creio que se possa considerar uma tal diferença entre os humanos e os restantes animais, sobretudo quanto aos mamíferos e dentro destes mais ainda os primatas. Tem sido cientificamente demonstrado que os animais superiores têm mais do que instinto e reflexos, e alguns têm mesmo algo que se assemelha de perto aos nossos sentimentos. Embora as comparações sociológicas possam deixar os humanos vencedores, os sistemas sociológicos dos outros animais também existe, sendo apenas mais rudimentares, menos desenvolvidos. Concedo que estas sejam a únicas comparações possíveis, mas tal não lhes retira a validez.

Arriscando que me tome por mentecapto, de acordo com a linha de pensamento que descreveu, estou crente de que a sexualidade dos animais (pelo menos nos superiores) é absolutamente comparável à dos humanos. Afinal, a sexualidade não é mais do que um instinto 100% animal – da natureza, inerente, obrigatório e fundamental à continuidade das espécies – e que nada tem a ver com amor ou qualquer outro sentimento. É puramente animal e natural, ainda que frequentemente se apresentem agregados ou que até possam originar-se mutuamente. O próprio amor de mão é o desenvolvimento dum instinto animal natural. Como pode, pois, a sexualidade não ser comparável entre humanos e animais superiores? Quanto mais aprofundadamente se estudar este tema mais nos convenceremos dessa igualdade.

A «união entre machos animais», existente como muito bem cita, é impreterivelmente contra a natureza, devido à formal necessidade da continuidade das espécies, os desígnios da natureza, como referi acima. Creio este facto ser bem claro e se depreender espontaneamente como não natural, ou seja, contra os princípios básicos da natureza. Sem o acasalamento de géneros diferentes como lei da natureza, não desapareceriam todas as espécies vivas da face da terra?

Sobre o sentido das palavras, também afirmei que «a tradição linguística é quase tão importante como a etimologia», muitas vezes mais, o que parede assemelhar-se ao seu padrão. Daí, que a minha conclusão precedente de usar outra palavra para expressar um nova forma de viver parece continuar a ser a melhor solução. Um neologismo, talvez. De novo, também, esta forma de abordar um problema em que a dialéctica assume tão elevada importância fecharia muitas bocas. A Igreja, por exemplo, poderia levantar outras objecções, mas aquela que defende o casamento tradicional cairia. Afinal, todos têm o direito à liberdade e a serem felizes segundo os seus fantasmas e «é apenas isso, uma questão de interesses e direitos, visto as uniões existirem de facto e nada impedir que elas continuem a formar-se.» Chamem-lhe o que quiserem, mas casamento é insultar os casados e aqueles que se casarem.

ANTONIO DELGADO disse...

Estimado Mentiroso,
este é texto elaborado pelo Prof. Moises, para responder ao seu último comentário.
Cordialmente
António Delgado

"Casamento e Matrimónio2

Continuei a ler com atenção o comentário de o Mentiroso. Com todo o respeito que tenho pelas opiniões diferentes, eu persisto que a sexualidade animal não pode ser um modelo para a sexualidade humana, sejam quais forem os animais - desde os que praticam charmosos ritos nupciais até aos machos mais brutos que eliminam os concorrentes para possuir as fêmeas, ou das fêmeas que comem os machos depois da copula (Deus nos livre desses modelos para os humanos!). A sexualidade animal é puramente biológica; a humana é baseada em valores humanos, afectos, reciprocidades sentimentais, relações complementares da assistência mútua, de fraternidade inter-individual e de muitas outras coisas a que chamamos Cultura - a qual só existe nas sociedades de humanos.
No fim do seu comentário percebi a sua ideia de inventar um nome novo para a união institucional de duas pessoas do mesmo sexo: diz que chamar «casamento» à união institucional de duas pessoas do mesmo sexo «É INSULTAR OS CASADOS E AQUELES QUE SE CASAREM» (sic). De facto, esse é que é o argumento anti-democrático, segregacionista, nazi, de muitos, inclusivemente de católicos. Repugnante (peço desculpa do termo). Pela mesma lógica não se teriam libertado os escravos porque a «liberdade» era um apanágio da aristocracia e da burguesia endinheirada (deviam ter-lhe chamado outra coisa); até recentemente as mulheres não tiveram direito ao voto porque «o voto» era um direito dos homens (deviam ter-lhe chamado outra coisa que não «voto»). Assim seria no sexo segundo esta lógica (repugnante): há, por um lado, os «normais» como «nós» que se casam e, por outro, os «anormais» que se juntam em úniões X ou Y. «Os «normais» estão «casados», os «anormais» estão «amancebados»; não admitimos que os diferentes, os «outros» tenham os mesmos direitos que «nós»; o Estado só deve reconhecer os «nossos» direitos; os «anormais» são livres de se «juntarem» - já será uma grande condescedência o facto de «nós», os «normais» permitirmos que os «anormais» não sejam corridos à pedrada ou encaminhados para o Forte de Monsanto... ou levados para a forca como manda a Shária dos muçulmanos na Arábia, no Irão, no Iraque, na Síria... e nos ambientes europeus da populaça! É a isto que leva a ideia da desigualdade dos cidadãos perante a Lei, ou a invenção dum neologismo para a verdadeira democracia do casamento (Deus nos livre destes «tolerantes»...)."

Mentiroso disse...

De notar a interpretação negativa e inversa do que escrevi anteriormente. Assim é batota e não vale. Não se pode chegar a qualquer lado ou conclusão e não importa porfiar. Ficar-me-ei por aqui.

Algumas partes são flagrantes. Quer concordemos ou não, não se deve nem pode (há consequências) contrariar as leis da natureza. Não se pode prosseguir na crença arcaica de que os humanos não sejam animais. Não se pode afirmar que a sexualidade de todos os animais não tenha a mesma base da humana; tal como difere entre os outros animais, sempre com a mesma base, assim a humana a conserva acrescentando-lhe o factor humano. É impossível deixar de reconhecer a importância que o factor (animal) instinto maternal tem no sentimento do amor maternal, sobretudo identificável em sociedades mais atrasadas e menos civilizadas como a portuguesa actual, pelo menos por comparação aos países civilizados europeus.

Não se podem contrariar verdades científicas devidamente comprovadas e reconhecidas.

Tal como todos os animais são diferentes entre si, como muito bem citou nos seus exemplos, assim também os humanos o são dos outros animais. Porque não reconhecê-lo? Não é possível considerar o humano como não sendo animal. Que será então?

A um boi chamamos um boi, a uma cadeira uma cadeira, a uma estátua uma estátua, etc. Porque havemos de chamar casamento à ligação de dois seres do mesmo sexo, quando isso não corresponde com a definição tradicional da palavra? Logicamente e linguisticamente não faz sentido. Nem mesmo no presente, em que alguns países atravessam uma época em que a maioria das suas populações são em grande parte iletradas, exprimindo-se por palavras que não definem as suas ideias ou que muitas vezes têm um significado generalista em lugar de específico. Conhece-se porque isto se passa em Portugal e desde quando, mas é assunto que aqui não cabe. Contudo, de gente que assim fale, escreva, o admita, concorde ou siga, uma infinidade de outras asneiras são de esperar. São estes os verdadeiros iletrados por acepção da palavra.

Uma boa parte dos exemplos que menciona aplicar-se-ão certamente a outros casos. Votar, por exemplo, cujos significados principais são, resumidamente, dar o seu voto ou aprovar ou eleger por meio de voto, é uma acção cujo sujeito da acção é de género indeterminado. Identicamente se passa com as outras alusões.

É prática de regra usar o vocábulo adequado que defina a ideia. A etimologia e sobretudo a tradição não podem ser obliteradas, não se lhes pode saltar por cima. Deu vários exemplos, porém nenhum em que demonstrasse que a etimologia ou a tradição de «casamento» pudesse ser tomada como uma união de dois seres do mesmo género.

Repito que a oficialização das uniões do mesmo sexo não é um reconhecimento dum direito, dado ele já existir. Trata-se apenas e inequivocamente, para os envolvidos, de se lhes reconhecer oficialmente outros direitos em sequência da oficialização, direitos estes de ordem puramente material que nada têm a ver com sentimentos. Se a pergunta for se eles devem ou não ter esses direitos, a resposta só pode ser SIM, são direitos universais, portanto democráticos. Ainda que sendo anormais de acordo com a natureza, devem ter os mesmos direitos que os outros seres humanos, porque também o são. Antes de ser uma questão de democracia já era de Direitos Humanos.

Não é uma condescendência nem uma tolerância, como acusa, nas unicamente de dialéctica, de correcção linguística. É um assunto que nada tem a ver com democracia, mas com Direitos Humanos. Só que a democracia deve segui-los.

Não se compreende, pois, que se insista desacertadamente numa nomenclatura que linguisticamente nada tem de costumeiro nem de regular e que em tudo discorda das regras, quando, por demais, a escolha correcta evitaria grande parte do alvoroço que o assunto tem levantado. Se assim não for, a persistência suscitará sem dúvida a discriminação. Será isso que se procura?

Ponto final. Termino a minha intervenção, pois que a partir deste ponto só poderei repetir-me.

Ema Pires disse...

Olá António,
Como sempre, as tuas postagens, neste caso um artigo do Professor Moisés Espírito Santo, suscitam muito interesse. Gostei do diálogo entre “O Mentiroso” e o Professor Moisés. Estou absolutamente de acordo que a Igreja (e também o Estado), não se deve de meter onde não lhe importa nem é chamada, até porque o tempo da Inquisição já passou “Graças a Deus”! Apesar de não concordar em dar respostas a anónimos acho que fizeste bem em suscitar esta discussão.
Qual poderia ser o nome para o casamento da união entre pessoas do mesmo sexo e para quê? Para que se saiba bem que essas pessoas têm outras opções sexuais e assim discriminá-las? Eu não me sinto para nada insultada, e somos muitos, se utilizarem a palavra casamento para eles(elas), igual que se utiliza para mim como heterossexual. Ou não somos todos iguais e “Filhos de Deus”? No entanto cada um é livre de desejar outra denominação.
A Igreja o que deveria de fazer seria varrer à sua porta (pederastia), etc., ocupar-se das almas dos seus seguidores e deixar de se meter nos assuntos privados das pessoas. Mas isto também é válido para o Estado.
Beijinhos

ANTONIO DELGADO disse...

Viva Ema,
Sobre o que exprimes acho que nem o Estado nem a Igreja se devem de meter “ na cama de ninguém”, como alguém já o disse, nem na sua felicidade. A não ser que essa felicidade passe por essas duas intuições e por opção dos interessados. Sobre nomes ou designações: Acho que não é por haver uma infindável variedade de elementos vegetais identificados pela palavra de árvore que esta se tenha de alterar para designar essa variedade, a própria características de cada uma define depois o nome. O mesmo se pode dizer em relação a uma cadeira ou a uma mesa ou flor... As palavras não definem ideias precisas, elas até dão a liberdade de criar o mundo segundo a experiencia que cada um leva. Nesse sentido uma imagem é muito mais objectiva e até serve de prova em tribunal. Sobre a questão dos anónimos não tenho por habito responder ou dar importância, desde que haja respeito como aconteceu, além de que o autor faz parte de um conjunto de blogs que tenho por referência e pelos quais nutro bastante estima.
Falei com o professor Moisés sobre o 1º comentário e ele disse que tinha muito prazer em responder e de facto o diálogo foi bastante interessante; só tenho pena de não continuarem!
Bjos.

ANTONIO DELGADO disse...

O texto que se segue, entre aspas, é o comentário que me foi enviado pelo Prof. Moisés Espirito Santo, em resposta às observações deixadas pelo autor designado de "Mentiroso". Lamento que os dois autores tenham desistido de continuar a trocar pontos de vista sobre um tema actual, controverso e empolgante.



" Casamento e Matrimónio 3

Também já não estou para me repetir e dizer o que é óbvio. Eu posiciono-me no campo das Ciencias Sociais e não nos das ideologias biológicas, teológicas, eclesiásticas, políticas ou outras. Diz o meu interlocutor, logo no início, que NÃO SE PODE, NEM DEVE, CONTRARIAR AS LEIS DA NATUREZA. Valha-me Deus! Ora, as Leis da Natureza são a LEI DO MAIS FORTE. Leis SELVAGENS. Na Natureza selvagem, o sexo é puramente biológico, uma descarga de energia pela força do macho e pela necessidade cega da fêmea. Darwin - contra as teorias teológicas tradicionais e, pelas quais, repertoriado no «Index Librorum Prohibitorum» - demonstrou que a Natureza se regula pela «selecção natural» (os fracos estão condenados a desaparecer em favor dos fortes). Socialmente, o institnto natural não justifica nada. A força física e a fome – instintivas, das Leis da Natureza - levam à morte dos mais fracos. Nenhum ser humano pode matar, fornicar, violar ou oprimir outro COM BASE NO INSTINTO (ou pode? Experimentem e verão as consequências...). O instinto natural que existe nos humanos deve ser DOMESTISCADO, REPRIMIDO (digo bem: REPRIMIDO) pela Cultura, quando se exige a igualdade e os direitos humanos e em cuja base está a educação. Não me venham falar de institinto nas relações humanas e nas instituições políticas (por favor!).
Quanto à origem do casamento, ela nada justifica a eterna continuidade das suas fórmulas (porque há muitas), só porque teve origem num arcaico casal heterossexual, tribal, patriarcal ou na posse das mulheres. A sociedade está em permanente mudança e as instituições devem, evidentemente, ser incessantemente reformuladas para satisfazer as tendências, os anseios e as mutações sociais com vistas à perfeição por que aspira a Humanidade. O Estado arcaico (coevo do casamento arcaico) não é o mesmo que o Estado moderno. A Família arcaica (coeva do casamento arcaico) não é a mesma família da actualidade. A antiguidade duma instituição não justifica a sua continuidade quando se demonstra que ela passa a ser injusta e segregacionista. A autoridade do pai (pater-famílias, patriarcalismo), inscrita nos códigos do Estado e nos catecismos católicos, judaicos e islâmicos, mudou de há cem (ou de há trinta) anos a esta parte. Serão necessários muitos exemplos para ilustrar as mudança nas actuais instituições com origem remota? Não tenho paciência.
No entanto, e termino aqui, na Cultura moderna, o casamento não se confunde com sexualidade. Hoje, a sexualidade é livre, dentro e fora do casal. O casamento tradicional visava a procriação, a continuidade demográfica, e a sexualidade era dirigida para a reprodução, mecanicamente. Hoje, o casamento visa a comunhão de afectos, companheirismo, partilha de bens e de responsabilidades, assistência inter-conjugal, remédio contra a solidão... Já não é o casamento pela posse das mulheres com vistas à reprodução da tribo.
O Estado nada tem a ver com a vida privada, como disseram alguns comentários. É verdade. No entanto um casamento (pelo Estado), constituindo um contrato entre os cônjuges e o Estado (a sociedade civil) e sendo um acto público e publicitado, tem o objectivo de dar força - simbolicamente – com cerimónias públicas, «testemunhas» e «papéis administrativos», à realização dos objectivos sociais da união dos conjuges. O casamento (pelo Estado ou pela Igreja) tem a função de reforçar, apoiar, as intenções dos conjuges. È mais eficaz do que a simples união ad-hoc, privada ou ocasional."

Mentiroso disse...

Embora tenha terminado a minha intervenção, como declarado, levantaram-se postos que devem ser esclarecidos.

Ter um pseudónimo não é ser anónimo. Não são sinónimos nem equivalentes. Só a falta de conhecimento da existência de registos na Web e do seu funcionamento pode fazer supor tal engano.

Se o Estado ou a Igreja se deve ou não meter nos assuntos deste post, creio ter lido a resposta num dos comentários: A sociedade está em permanente mudança e as instituições devem, evidentemente, ser incessantemente reformuladas para satisfazer as tendências, os anseios e as mutações sociais com vistas à perfeição por que aspira a Humanidade. Não comento, apresento uma resposta. Que cada a interprete consoante o seu desejo.

Todavia, a liberdade de interpretação não confere direito a mudar ou inverter a ideia do autor. Tampouco num país em que o uso se arreigou por exemplo de leis mal concebidas por incapazes e que dão lugar a interpretações, o que, por exemplo, obriga os tribunais a perdem tempo num esforço de acertarem em interpretações correctas.

Daqui, talvez por costume ou assimilação do que atrás fica, a interpretação do amável e compreensivo autor do blog na sua asserção sobre o vocábulo «árvores», pois que a ciência não confunde as espécies dentro das suas inúmeras variedades. Lembremo-nos ainda que a designação árvore apenas classifica uma planta relativamente ao seu tamanho no estado adulto.

Realço ainda a opinião do Presidente da República de ontem sobre um assunto que se relaciona de muito próximo com aquele em causa no presente post e sobre o qual se podem fazer comparações.

ANTONIO DELGADO disse...

Caro Mentiroso,
Antes de falar dos anónimos ou de pseudónimos, permita-me fazer uma pequena história deste blog. Ele surge na sequência de uma coluna de opinião que mantive num dos órgãos da região nos anos 90. Este espaço é livre e pretende ser de elevação reconhecendo que algumas críticas, publicadas aqui, foram erosivas. Tento dentro das minhas limitações utilizar o humor no verbo e na imagem para criticar realidades que não me parecem as mais justas para a minha terra: Alcobaça. Há anos que este concelho tem sido governado pela acumulação de erros e nos últimos 12, foi ainda governado de forma displicente e sem regra, relegando-o para um posição sociocultural incomoda quando comparada às terras vizinhas. Parece que aos partidos locais (quem os compõe), pouco lhes importa isso, senão os benefícios que podem ter como eleitos. Para exercer o meu direito de cidadania sem constrangimentos, recriei essa antiga coluna na Internet, que assim é mais livre e sem os incómodos próprios de um jornal.
A questão dos ANÓNIMOS, surge porque este espaço, de opinião e crítica, veio incomodar o status quo local e quem dele beneficiava. Os anónimos ou pseudónimos, que não são a mesma coisa, mas na questão do ataque pessoal para mim são iguais, porque ambos não dão a cara e por trás deles tem-se tentado denegrir o autor e espaço deste blog por todos os meios: desde mails anónimos ou com pseudónimos, chamadas telefónicas de cartões pré comprados, tudo servia para se barricarem nesse leque de possibilidades. Guardo uma serie de mails e postagens e o Mentiroso ao afirmar “Só a falta de conhecimento da existência de registos na Web e do seu funcionamento pode fazer supor tal engano”, talvez me pudesse ajudar a descobrir quem está por detrás de alguns registos injuriosos. O meu mail fica à disposição. Também foi por isso que passei a moderar o blog.
Na questão da árvore, independentemente de o vocábulo, designar elementos em “estado adulto”, por certo reconhece que mesmo em “estado adulto”, existem muitas formas de árvores, morfologicamente diferentes mas com identidades e designações próprias que por terem denominadores comuns (tronco, raízes e copa) as torna identificáveis pelo dito vocábulo. Mas sabemos também que Macieira, Cipreste, Choupo, Chorão ou Eucalipto são coisas completamente diferentes. Na minha óptica, e segundo depreendi com o exemplo que tomou, ele está para além dos parâmetro que tentei expressar, tanto com árvore como com cadeira.
Reconheço que é vezeiro em Portugal a justiça extrapolar para a artimanha e a má fé as permissividades linguísticas. Esse subterfúgio deriva possivelmente da inexistência de uma Academia da Língua Portuguesa, que legisle o uso estrito e especifico da língua portuguesa.
Será que neste pequeno exemplo não se vislumbra as incongruências semânticas em todos os domínios e particularmente no da justiça, com a adopção do novo acordo ortográfico? Aquele que Millor Fernandes disse ser “uma merda”. Peço desculpa mas são palavras do próprio humorista brasileiro, citadas no Jornal Publico a 24/8/2009, na secção frases de ontem.
Segui pelos jornais o veto à lei das uniões de facto, do Presidente da República. Concordo com a argumentação por ele usada em termos de “fim de legislatura” mas não concordarei com o veto à lei em si. Espero verdadeiramente que ela seja aprovada na próxima legislatura. As uniões de facto há muito que são uma realidade social muito bem legislada, nos países que gostamos de tomar por referência, naquilo que nos convêm ou dá jeito, a coerência existe se essa equiparação abarquar igualmente âmbitos como este, até porque “ A sociedade está em permanente mudança e as instituições devem(…) ser(…) reformuladas para satisfazer as tendências, os anseios e as mutações sociais com vistas à perfeição por que aspira a Humanidade”, como ficou dito para trás.
Com as melhores saudações.