segunda-feira, outubro 29, 2007

"QUEM NÃO CONFIA NÃO É DE CONFIANÇA" ditado popular

Estatísticas: Portugueses são dos povos mais desconfiados e menos cívicos do Ocidente


25 de Outubro de 2007, 06:30
Por Sérgio Soares, da agência Lusa
Lisboa, 25 Out (Lusa) - Os portugueses são o povo mais desconfiado da Europa Ocidental e ocupam a 25ª posição entre 26 países num estudo da OCDE destinado a medir a amplitude da desconfiança e falta de civismo dos diferentes povos recenseados.
Os estudos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e da "World Values Survey", citados no novo livro "A Sociedade da Desconfiança, por dois economistas franceses do Centro para a Pesquisa Económica e suas Aplicações (CEPREMAP), demonstram que esta "ausência de confiança generalizada nos outros e nas instituições é mensurável e afecta a economia e a sociedade em geral" em todos os países avaliados.
Os portugueses são, em média, os europeus mais desconfiados, à frente dos franceses (24º lugar) e da maioria dos outros povos desenvolvidos, de acordo com uma outra sondagem realizada entre 1990 e 2000 pela «World Values Survey» que inclui os países membros da OCDE, nomeadamente EUA, Japão, Austrália e Canadá. No último lugar, imediatamente depois de Portugal, apenas os turcos conseguem ser ainda mais desconfiados.
Em resposta à pergunta "Regra geral, pensa que é possível confiar nos outros ou acha que a desconfiança nunca é suficiente?", os portugueses ficaram no último lugar, com menos de 18 por cento a responderem afirmativamente. Os franceses situam-se imediatamente a seguir em termos de desconfiança média relativamente aos demais e às instituições.
No outro extremo, 66 por cento dos suecos e 60 por cento dos dinamarqueses admitem por regra confiar nas outras pessoas e nas suas instituições.
Numa comparação entre pessoas com o mesmo nível escolar, sexo, situação familiar, religião e orientação política, face aos noruegueses que ocupam o primeiro lugar relativo aos que mais confiam, os portugueses só ficam à frente da França, Hungria, Turquia e Grécia.
O economista e professor universitário Mira Amaral disse à agência Lusa "não ter ficado surpreendido" com estas estatísticas. Para o antigo ministro da Indústria do primeiro governo de Aníbal Cavaco Silva, a desconfiança "afecta, obviamente, a economia" e indicia incapacidade das pessoas para trabalharem com outras em rede.
"A desconfiança mostra que não acreditamos nas outras pessoas e no País, e quando uma pessoa não confia no seu país não investe", sublinhou, acrescentando que os portugueses "são pouco liberais e muito estatistas".
Opinião semelhante tem o economista António Nogueira Leite para quem "a desconfiança social afecta, sem dúvida nenhuma, a competitividade" ao criar entropias que complicam as relações económicas e por implicarem o "falhanço de alternativas" válidas.
"É um indicador importante", afirmou, referindo-se às estatísticas recolhidas nestes estudos.
O também economista e professor universitário João César das Neves, embora só concorde em termos gerais, afirma-se "surpreendido" com a colocação de Portugal porque, apesar dos portugueses serem um "povo muito desconfiado há pior na Europa".
Graças aos franceses que, em regra, se situam nos estudos citados quase sempre pior colocados, os portugueses são os menos cívicos e apenas ultrapassados por mexicanos e franceses, ocupando também a terceira posição entre os povos que acham legítimo receber apoios estatais indevidos (baixas por doença, subsídios de desemprego etc.), adquirir bens roubados (14º lugar para os portugueses contra 20º lugar dos franceses) ou aceitar luvas no exercício das suas funções (12º lugar para os portugueses e 21º lugar para os franceses).
Para Mira Amaral, estas estatísticas tornam evidente também o problema do Estado providência que não suporta indefinidamente os abusos de pessoas sem escrúpulos que recebem apoios sociais indevidos através de métodos fraudulentos, por exemplo para conseguirem baixas médicas.
"Este comportamento não é atávico" nos portugueses, no sentido de que não possa ser remediado, mas é "uma grande pecha", afirma.
A maioria dos inquiridos nos estudos da OCDE e no livro diz, contudo, condenar a falta de civismo, qualquer que seja o país considerado. No entanto, os habitantes dos países nórdicos e anglo-saxónicos são maioritários em relação aos do Mediterrâneo ao considerarem que tais actos nunca se justificam.
Os autores dos diferentes estudos chegam à conclusão que a falta de civismo é transversal a todas as sociedades e não apenas às pessoas com menor nível escolar.
De acordo com o comportamento registado entre os diplomatas de 146 países nas Nações Unidas e nos consulados em Nova Iorque, no que respeita ao cumprimento das regras de trânsito, constata-se que entre 1997 e 2005 os diplomatas portugueses foram os que mais infracções cometeram mas beneficiando de imunidade, entre os ocidentais (68º lugar), bastante pior situados do que os espanhóis (52º) e só à frente dos franceses (78º).
Na longa lista de estatísticas sobre comportamento, o das empresas portuguesas no estrangeiro são as que menos envergonham ao situarem-se a meio da tabela, no 15º lugar, entre as que menos tentativas fazem para corromper nos mercados onde se instalam.
Segue-se uma lista decrescente integrada pela França, Espanha, EUA, Bélgica, Holanda, Alemanha, Reino Unido, Canadá, Áustria, Austrália, Suécia e Suiça.
As empresas que mais tentativas de corrupção fazem são as da Índia, China, Rússia, Turquia, Taiwan, Malásia, África do Sul, Brasil, Arábia Saudita, Coreia do Sul, Itália, Israel, Hong Kong, e México.
Para quase 20 por cento dos portugueses e franceses "para se chegar ao topo, é necessário ser corrupto".
Neste aspecto, Mira Amaral faz questão de explicar que existem duas motivações. Uma assente na inveja dos que não suportam ver alguém triunfar e outra dimensão baseada na convicção justificada do povo de que a classe política, através de esquemas, promoções e "amiguismo", consegue obter mais privilégios do que os devidos.
"A promiscuidade entre grupos económicos e políticos leva as pessoas a terem alguma razão nessa sua desconfiança", constata Mira Amaral.
"Hoje em dia, não se é premiado por se ter tido uma boa carreira mas por amiguismo", sublinha o antigo governante que confirma ter constatado inúmeras vezes este fenómeno e o ter sofrido na pele.
O antigo ministro reconhece que "há um grande tráfico de influências e de amiguismo" que favorece indevidamente os círculos que disso beneficiam.
Belgas, franceses, italianos e portugueses são os povos europeus que menos confiam na sua administração da justiça, contra os dinamarqueses que ocupam o 1º lugar entre os que mais confiança depositam no respectivo sistema judicial.
Curiosamente, os portugueses são dos que mais confiam no seu parlamento (9º lugar), apenas atrás da Suíça, Espanha, Áustria, Finlândia, Dinamarca, Suécia, Holanda e Noruega, e ocupam paradoxalmente o mesmo lugar no "ranking" dos que mais confiam nos sindicatos, apesar das elevadas taxas de desvinculação sindical.
Os mexicanos, seguidos dos turcos, checos, gregos e franceses são os que declaram não ter "nenhuma confiança" nos respectivos parlamentos.
No seu livro "A Sociedade da Desconfiança", Yann Algan e Pierre Cahuc consideram que a origem da desconfiança se baseia no corporativismo e no estatismo. Essa mistura criou em vários países um "círculo vicioso de desconfiança e de disfunções do modelo económico e social", liquidando a bandeira do universalismo que alguns povos gostam de apresentar.
O estudo dos dois economistas franceses revela que, se não existisse uma desconfiança tão elevada em relação às outras pessoas e às instituições (governo, parlamento, sindicatos), em média por habitante, os portugueses teriam aumentado em 18 por cento os seus rendimentos médios entre os anos 2000 e 2003 com efeitos idênticos sobre o PIB.
João César das Neves considera que a desconfiança é "sem dúvida" um elemento importante para a dinâmica económica mas que ela é, antes de mais, uma "terrível influência para a vida social e o equilíbrio pessoal e familiar". Para este economista, o efeito sobre o crescimento ainda é o menos importante.
Os autores do estudo dizem relativamente à França, citando os principais líderes políticos, entre os quais Francois Bayrou, que o país vive a "mais grave crise da sua história recente, e que esta é uma crise de confiança" nas instituições e nos diferentes órgãos do Estado.
Mira Amaral concorda e considera que, "genericamente, as estatísticas apresentadas também estão de acordo com as características dos portugueses como povo".
João César das Neves acha que esse elemento é importante mas secundário, sublinhando mais o facto de vivermos numa época de transição social, com enorme transformação das instituições, hábitos e costumes e a consequente crise cultural, que é particularmente visível na Europa.
"Além disso, a tradicional tendência portuguesa para a violação das regras também tem efeitos, junto com a má qualidade da classe política", destaca.
Pouco optimista, afirma que a desconfiança tem flutuado ligeiramente com as crises económicas e políticas. "Estamos hoje melhor que há três anos, mas pior que há dez. Mas trata-se de pequenas alterações à volta de um nível baixo", conclui.
O velho ditado com "um olho no burro e outro no cigano" parece continuar a guiar o comportamento quotidiano dos portugueses.
SRS.
Lusa/fim
( http://noticias.sapo.pt/lusa/artigo/EVfkRu9tdosxOzbGTJ7O1w.html)

12 comentários:

david santos disse...

Olá, amigo António!

Eu, sinceramente, acho que é assim mesmo: nós somos muito desconfiados. Não confiamos uns nos outros. Aliás, quem emigrar e conviver com conterrâneos, com facilidade chega a esta conclusão. Quanto aos que não investem por dúvida e por medo, por que não, a verdade é que encontram pela frente uma máquina fiscal sem contemplação: não se preocupa em mandar para a miséria qualquer investidor que não seja apadrinhado ou vigarista.

"O também economista e professor universitário João César das Neves, embora só concorde em termos gerais, afirma-se "surpreendido" com a colocação de Portugal porque, apesar de os portugueses serem um "povo muito desconfiado há pior na Europa".

Quanto a esta parte, não concordo mesmo nada. Nunca tem nada de original. Sempre com comparações. Se um mata, o outro já matou.
Bem, mas eu daqui nunca esperei nada de criativo. É só expediente.

A. João Soares disse...

Cada povo tem as suas qualidades e defeitos. Pelos vistos, os nossos defeitos tolhem o desenvolvimento, impedindo o investimento.
Há que fazer um esforço para sair deste cerco e arrancar para o civismo e a capacidade de trabalhar em equipa. Cabe ao ensino criar hábitos de colaboração nas crianças, com trabalhos de grupo em que todos se vejam na necessidade de fazer o seu melhor e esperar que cada um dos outros faça o mesmo.
Sem esse esforço continuaremos na cauda da Europa em muitos aspectos.

Anónimo disse...

A desconfiança é própria dos povos do sul, é de facto uma herança cultural. Já a falta de civismo é uma questão de educação, e essa culpa passa pela falta de uma verdadeira cultura de ensino em Portugal. A ignorância gera mais ignorância.

Bom artigo. Um abraço fraterno

Lúcia Duarte disse...

e talvez não confiemos uns nos outros exactamente porque ainda temos um tipo de mentalidade invejosa, onde se tenta "lixar" o pareceiro do lado apenas porque pensamos ser mais do que ele.
acho que isto só pode mudar se, efectivamente e de um modo firme tentarmos incutir outro espirito aos nossos descendentes

quintarantino disse...

Penso que parte da nossa desconfiança resulta das demais características que aponta no texto de hoje. Se achamos natural e legítimo ludibriar o Estado, se os demais acham piada sem darem conta que ao assim ser estamos todos a ser afectados...
Talvez aqui esteja também uma boa parte da explicação para aquilo que hoje somos.
Excelente artigo.

Siry Pérez disse...

Excelente análisis comparando diferentes pueblos europeos.

Zé Povinho disse...

Quando o sistema está armadilhado de modo a premiar os amigos, quase nunca a competência, ou quando a justiça beneficia uns em detrimento de outros, é inevitável a desconfiança. A desconfiança, na minha opinião deriva da qualidade da justiça, não só a a dos tribunais, mas também a social.
O civismo já é mais um problema educativo embora carregue também o aspecto da impunidade de quem acha que "pode tudo".
Não confiamos nas instituições e acabamos por não confiar uns nos outros, consequentemente não puxamos na mesma direcção, o que é negativo.
Abraço do Zé

Beezzblogger disse...

Porque será? Será da educação? Será da corrupção? Será da Mentira? será das promessas levianas e por falta de as cumprir?

Será tudo isto, e um pouco de egoísmo à mistura, que o nosso ego, já não aguenta mais...

Abraços amigo, do beezz

Pastora disse...

O Zé Povinho tem razão. O sistema armadilhado e o compadrio provocam a desconfiança e a inveja. Não é o melhor que é promovido, o que constitui uma injustiça e provoca uma reacção que se manifesta como inveja e impossibilita o trabalho em rede com o qual os países mais desenvolvidos conseguem vantagens.
A divulgação deste artigo é um acto cívico pelo qual felicito o autor do Blog.

Jorge Casal disse...

Ha razão para sermos desconfiados.

A meu ver, a desconfiança e a falta de civismo são, antres de mais, produtos da ruralidade que constitui um rasto muito visível da cultura portuguesa. A confiança e o civismo são qualidades tipicas da urbanidade. Lembro que o termo «civismo» é o próprio da «civitas» (cidade, meio urbamo, cosmopolitismo). Os aldeões são essencialmente desconfiados (e com razão). A cultura portuguesa tem ainda um forte cunho de ruralismo. Os rurais eram desconfiados porque estavam cercados de aldrabões.

A actual desconfiança dos portugueses é a continuidade da velha desconfiança dos rústicoss. Mas também há novas razões para a desconfiança. Na aldeia desconfiava-se de tudo e todos: dos desconhecidos porque nada garantia que fossem gente de bem, dos citadinos que tomavam os aldeões por estúpidos, dos letrados porque se tinham superiores aos iletrados, dos funcionários que exigiam galinhas ou prendas para despachar um requerimento, dos políticos porque eram «uns comilões» (oh se eram! digo eu, e ainda o são!), dos patrões que se portavam como esclavagistas , dos feirantes que eram uma «ciganagem» e ninguém os proibia de vender gato por lebre. Só confiavam no «senhor prior» (desde que fosse o «nosso»...). Hoje têm outras razões para desconfiarem: dos jornais que vendem papel e publicidade (gato por lebre), dos empresários que recorrem ás falências como eu bebo um copo de água, dos políticos que traficam influências e dos governantes que são gente a quem eu não comprava um carro em segunda mão. Vejam-me a polémica em torno do aeroporto «Ota versus Alcochete». Mas que grande aldrabice esse ministro do «Na Margem Sul? Jamais», e esse Socrates, seu chefe, estavam prestes a impingir-nos. Foge!... Governo da trapaça. Esse Sócrates merece que se confie nele depois das últimas promessas eleitorais? A dentuça dele merece-vos confiança? A mim não. Reparem que, a cada anúncio de medida dura contra funcionários, professores, reformados, centros de saúde, contribuintes, etc, etc., sai a público a mostrar a dentuça de vitória. Ri-se, goza com a miséria alheia esse tipo. Cada vez que o vejo a mostrar a dentuça penso logo: «vamos ter merda». Fosca-se o homem da dentuça! Confiança? Só os imbecis! Fujam dessa gente! O António abre o artigo com um provérbio popular. Eu vou inventar este: «Mais vale passar por desconfiado do que ser comido como parvo» porque também existe estoutro: «Gato escaldado de água fria tem medo».

Um abraço Jorge Casal

Mentiroso disse...

O ditado está certo, é evidente. Os portugueses no fundo sabem que são desonestos, vigaristas, burlões e trapaceiros e que não são de fiar, por isso que não não se fiam. As estatísticas também dizem que quanto mais civilizado é um povo mais honesto e confiante se mostra.

C Valente disse...

Que os nossos mortos repousem em paz
Saudações amigas