segunda-feira, dezembro 31, 2007

FELIZ ANO DE 2008


Hoje mesmo não há muito tempo passei ao lado deste pastor de cabras Sr. António Domingues, no Casal do Pereiro, perto da Póvoa na freguesia de Cóz. Quando o vi recordou-me certos momentos da minha infância quando noutro lugar, Turquel, do mesmo concelho de Alcobaça, havia muitos pastores de cabras, que passavam com os seus rebanhos pela aldeia. Para todas as crianças era um privilégio verem de vez em quando a povoação ser atravessada por estes animais guiados por um pastor que mantinha com as cabras um “dialecto” que elas bem entendiam. Fazia-nos crer ainda mais nas histórias que os adultos contavam sobre “o tempo em que os animais falavam”. Fantasias que na actualidade a Walt Disney explora na época do Natal. Nestas histórias há sempre, por detrás, uma moral que normalmente representa a velha luta entre o Bem e o Mal.

No caso de pastores, uma das histórias mais antigas, senão a mais antiga, é a história de Abel e Caim da Bíblia. Simbolizam respectivamente por um lado a pastorícia e o sentido de liberdade e o desapego à terra através da vida nómada representada em Abel, e a vida na cidade com vinculo à urbanidade, o apego à terra e à propriedade privada derivado da vida sedentária originada pela agricultura, e simbolizada em Cain. O primeiro fez um sacrifício, com carne animal que foi aceite por Deus e o segundo fez outro, com produtos agrícolas que foi rejeitado. A rejeição do sacrifico de Cain, provocou no irmão de Abel o ciúme e o ódio que o fez assassinar pelo irmão.




Estes dois personagens bíblicos eram filhos de Eva e para muitos exegetas por detrás desta história está precisamente dois modos de vida diferentes com consequências sociais igualmente diferentes e estruturantes no devir da humanidade. O sedentarismo provocou o nosso modo de vida actual: a cidade e o sentido da propriedade. Foi o desapego à ideia dos bens materiais derivado do nomadismo que Cain finalmente matou. Por isso na exegese bíblica Abel é sempre associado à ideia de justo e Cain à ideia de maldade. Por outra parte é a dicotomia entre espiritual e material os verdadeiros factores de toda a discórdia humana que têm resultado nas maiores guerras que a humanidade concebeu. Nos dias de hoje a globalização vem de novo pôr em confronto ABEL(istas) e CAIN(istas), com modernas configurações nesta era da globalização.

Foi esta história muitas vezes contada pelo meu avô materno, que este pastor cujas fotos mostro, me fez recordar com as suas sete cabras, cujas campainhas penduradas ao pescoço tilintavam no silencio imaculado que é ainda possível de sentir nos campos da Póvoa.




Depois de pedir para fotografá-lo, coisa que acedeu naturalmente, confessou-me na sua voz sonante, plena de saúde e força telúrica que ser pastor é um “vício maior do que qualquer outro”. Por diversas vezes tentou deixar a actividade, mas o apelo aos animais e o sentido à liberdade que é andar atrás dos animais são impagáveis. Das muitas coisas que conversamos, sobre a vida dos animais, como se comportam, o tempo, as chuvas, as flores as aves - o senhor é verdadeiramente uma biblioteca viva – perguntei-lhe como vivia com as suas sete cabras?




Contou-me que brevemente terá outras tantas e já chegou a ter 70, mas como as coisas não estão bem vendeu-as, porque “é preciso ter muitos papéis e escrever em muitos papéis quer para comprar uma cabra, vender leite ou fazer queijos...as coisas hoje em dia estão mais difíceis para ser pastor, e depois é o pouco que nos dão por isso. Eles não sabem o trabalho que isto dá”.



Ia dizendo isto ao mesmo tempo que “conversava” com as “chibinhas” dirigindo-lhes palavras e sons que elas entendiam na perfeição. Foi fácil tornar-me amigo do Sr. António que me convidou a fazer uma viagem com as suas cabras pelos montes e vales da Póvoa. Acedi e marcamos para a próxima Primavera.




Simples mas solidária e fraterna
é com esta pequena homenagem a este pastor meu conterrâneo que desejo às pessoas da minha terra,
aos meus amigos, ao meus conterrâneos
e a todos os leitores e comentadores deste blog


UM EXCELENTE ANO DE 2008.

12 comentários:

A. João Soares disse...

Que bela mensagem? E a parte bíblica deu uma profundidade enorme a aspectos contraditórios da humanidade. E o certo é que, para nossa infelicidade, a humanidade é descendente de Caim! E lá está a UE, pela mão da ASEA, a dificultar a vida aos pastores, agricultores e pequenos restaurantes.
Qualquer dia só podemos comer produtos higienizados devidamente embalados, com prazo de validade, como se fossem remédios. E, como isso, mesmo assim, poderá ter vulnerabilidades, teremos que nos alimentar de comprimidos.
Há, sem dúvida, mão de multinacional por detrás destas manobras.
Bom ano, nas entradas e na continuação
Abraço com os melhores votos

david santos disse...

Olá, António!
Adorei A HISTÓRIA aqui relatada por o meu amigo.
Caim e Abel (aparte), a história relata a realidade para onde nos estão a levar: massa bruta.
É sempre o dinheiro, o mais poderoso, que está por detrás desta destruição. Contudo, esta já não sei se será possível recuperar. Penso que o nosso pastor, que ainda vai lutando, deve estar a dar as últimas, porque também a ele, o poder do dinheiro o vai destruir.
Já quanto à visita que vai fazer ao protagonista desta história, eu adoraria estar presente. Caso possa...
Abraços e um bom Ano Novo.

papagueno disse...

Engraçado que este post vem mesmo ao encontro do meu:
"Ainda há gente que sabe sentir a terra. Ainda há quem saiba o quanto se pode aprender com ela."
Um abraço

Isamar disse...

Lindíssimo este teu post. Uma homenagem aos simples com palavras simples que só os grandes sabem usar.

Bom Ano Novo!

Beijinhossss

*Um Momento* disse...

Belo!
Entre histórias e pastores...entre pessoas com coração!
Adorei , sinceramente:o)))
Muito obrigada e desejo eu tudo de muito bom, a ti , aos teus ao sr António e a todos da tua terra
Um Feliz 2008 !!
Que a vida Vos sorria !!
Deixo eu um beijo com carinho ...no teu coração
(*)

Al Cardoso disse...

Uma entrada excelente para comecar o ano; so posso acrescentar felizmente "ainda ha pastores"!!!
Tambem nao deixei passar em claro a burocracia que da ser pastor hoje em dia!!!

Um grande abraco e feliz 2008,

Saudacoes serranas do d'Algodres.

Al Cardoso disse...

Uma entrada excelente para comecar o ano; so posso acrescentar felizmente "ainda ha pastores"!!!
Tambem nao deixei passar em claro a burocracia que da ser pastor hoje em dia!!!

Um grande abraco e feliz 2008,

Saudacoes serranas do d'Algodres.

quintarantino disse...

Apreciei a contradição entre a aparente simplicidade bucólica do pastor que as imagens nos transmitem e a sua absoluta compreensão sobre qual o papel do Homem num mundo cujo motor é hoje o Dinheiro!

Nilson Barcelli disse...

Infelizmente já poucos pastores existem como esse.
Os tempos são outros, mas os valores devem ser preservados na nossa memória futura. Gostei de ver esta tua reportagem, por isso. E vou gostar ainda mais quando nos contares o que viste e sentiste na próxima Primavera.
Um bom 2008 para ti, abraço.

Neteru Deneb disse...

Hombres sencillos muchos de los pastores siguen siendo, como salidos de otros tiempos donde la vida iba mas lenta, donde había tiempo para parar y saborear los olores del monte; hay una zona tambíen aquí en Granada, en las montañas del sur llamada La Alpujarra donde a cada rato te encuentras con ellos y si te quedas un poco te colman de historias de antaño y de como antes podian disfrutar de esa solidaridad ya apenas practicada, ya que ahora apenas ni un saludo sale de la boca de los "paseantes"...bello sería volver a tomar contacto con lo sencillo, con lo auténtico y a veces estos pastores son realmente un ejemplo de ello y de generosidad, gracias Antonio por esas fotos bonitas y llenas de aromas, por el pastor de estas y te deseo para ti también un FELIZ 2008.
Saludos desde el sur de Granada y un abrazo
Ana

Anónimo disse...

Feliz 2008
Um Abraço

Zé Povinho disse...

O nosso governo e seus acólitos não acharão muita graça ao que aqui foi contado com simplicidade e muita sensibilidade. Já estou a imaginar as suas objecções: então não tinha um telemóvel, não faz o registo dos animais usando o portátil, nem preenche os impressos relativos à actividade por conta própria por via eléctrónica? Caramba, ainda há quem persista na ignorância.
Mal sabem eles a imensa sabedoria e o respeito que um pastor tem pela terra e pelas criaturas que partilham o nosso planeta com o homem, que teimosamente persiste em destruir o seu próprio habitat.
Abraço do Zé