segunda-feira, março 19, 2007

Simbólica de um logótipo: OS CRIMES DE PEDRO E INÊS


Falar da fábula “os amores de Pedro e Inês” é desvelar a mentalidade portuguesa num dos seus pilares estruturais – a mitogenia- que, no dizer de Cunha Leão, “alastra Portugal de lés a lés”.

Parte do passado está contado por historiadores, que à falta de métodos de investigação, reproduzem questões que não entendem. Aliás, a ciência é entendida, neste meio e em Portugal, por saber coisas: quando nasceu um rei, quais as amantes que teve , os caminhos por onde passou, divagar sobre loiças e cacos sobre a disposição de pedras, etc.. Trata-se de um saber que não passa de bisbilhotices (...)

Salvo raras excepções, a historiografia portuguesa, está escrita e reescrita baseada em mitos, que se reproduz num sintoma de esterilidade intelectual e evasão pelo sonho. Chega-se a historiador abordando temas por clonagem e onirismo e, de palpite em palpite, se escrevem livros perpetuando vacuidades. Com eles chega-se a catedrático ou a presidente de academias. E, num ápice, este tipo de prosa faz-se “best-seller” em edições bibelot, vendidas de porta em porta por editoras que fazem dos leitores sócios.Em Alcobaça , há quem publicite o número de livros que escreveu. Num país ainda caracterizado pelo elevado número de iletrados, este exibicionismo parolo é eloquente (...) .

Assim, a “fábula de Pedro e Inês”, passou para a memória colectiva como um mito de amor que, em qualquer parte do mundo civilizado, consubstancia um crime, sendo que as prisões em Portugal estão cheias de casos “de amor” semelhantes. O mito longe de ser um fenómeno exclusivamente da imaginação é também uma atitude intelectual que se desenrola necessariamente no âmbito dos poderes factícios, e para sociedades tradicionais como a portuguesa, não é apenas uma realidade objectiva. Este género de visão infantil ou pré-moderna é a única revelação válida da realidade. Assim, os mitos são uma espécie de sonhos colectivos, onde se fixam normas exemplares de procedimentos e actividades humanas significativas, que equivalem a esquemas mentais concretos e sintetizam a ideologia de um povo e a sua cultura. Não são explicações que satisfaçam uma curiosidade científica, mas relatos que revivem uma realidade original de aspirações morais. Vejamos então este ponto: um homem casado pela igreja, com uma mulher, assedia sexualmente outra praticando adultério. A assediada atraiçoa a patroa dormindo com o patrão. Entretanto o pai do galante manda matar a amante do filho. O filho enraivecido, lança o reino numa guerra civil, saqueia cidades e as terras dos assassinos, matando-os com requintes de sadismo, arrancando o coração pelas costas a um, e como se isto não bastasse, desenterra a morta anos depois, obrigando os súbditos a beijar a mão do cadáver em decomposição. Cenografa então uma coroação digna de um filme de terror, ou de práticas satânicas. É isto uma história de amor? Adultério, traição, assassínios, mortes, violência, sadismo e práticas de necrofilia? É preciso ser-se muito inculto ou até mentecapto para ver nestes actos modelos exemplares de moralidade e, na memória de Pedro e Inês, as virtudes que promovem a terra (Alcobaça) como se pretende com um logotipo.

É ainda curioso como estas duas criaturas estando em verdadeiro pecado mortal segundo as leis de Deus, estejam num templo católico, junto do altar, a presidir a todas as cerimónias religiosas.

Lamento que instituições de respeito como são a Igreja Católica, o Estado e as escolas tenham perdido o sentido ético e, estejam completamente desnorteadas. Se assim não fosse, não se via, por vezes, em Alcobaça, os estabelecimentos de ensino a representar a cena satânica e necrófila do beija-mão e a Câmara a apoiar este tipo de iniciativas em nome da cultura, agora também na forma de um logotipo. Estes procedimentos contrariam as campanhas anti-violência que se fazem pelo mundo fora, com a agravante de se utilizar crianças e adolescentes. Depois, lamentam-se alguns da violência dos alunos nas escolas.

Esta história tolera-se em crianças, mas infantilidade em estado adulto chama-se imbecilidade. (...) Por isso sugere-se (...) aos que escrevem nos jornais locais, que se centrem nos quistos de que a terra enferma e não divaguem sobre coisas que não dominam. Por certo ajudariam a combater a ignorância do vulgar e fariam um bom serviço à comunidade, além de transformar os jornais locais e a terra em pontos de encontro sadios”.
Ps. "Hoje promovem esse logótipo; amanhã vêem-nos (com as falinhas gratuitas da «cidadania») condenar a violência entre os géneros, a segregação sexual, a violência doméstica e, também, apregoar as boas relações entre Portugal e Espanha" deixado em comentário.
Ps. todo o comentário bem disposto e elevado é bem vindo.

15 comentários:

ANTONIO DELGADO disse...

A postagem de hoje faz parte de um texto por mim escrito e publicado pela primeira vez na imprensa do concelho de Alcobaça em 1994. Voltou a ser publicado no ano 2000, no extinto semanário Semana Cisterciense. Hoje, faço uma postagem porque me parece oportuno recordá-lo. Algumas das observações que nele introduzi em 2000, pertencem à data em que foi publicado mas continuam pertinentes pelo que a realidade nos demonstra.

cordialmente
Antonio Delgado

Anónimo disse...

Esta simbologia da cidade de Alcobaça não quer representar a Terra de Paixão que os seus autores fazem constar.
Já repararam bem na configuração do simbolo e na forma como os dois corpos estão virados um para o outro?
Á falta de sex-shops em Alcobaça, lembraram-se uns tantos de desenhar tal coisa obscena...
Mentes poluídas é o que são.
E tambem o simbolo não podia enganar ninguem. Por aqui a história de amor de Pedro e Inês talvez não tenha sido mesmo uma história de paixão...
Estimo as melhoras aos seus autores...

Anónimo disse...

Querido António,
Concordo absolutamente com esta postagem. Vista friamente desde fora de Alcobaça e de Portugal, é mais um cenário "Grand Gignol" do que uma bonita história de amor, que de amor não tem absolutamente nada. Só morte e sufrimento. E o pior é que a Igreja faz destas personagens uns santos e um modelo para todos. Em que mundo vivemos.
Beijinhos
Ema Pires

Anónimo disse...

Magnífico artigo. De facto urge combater a ignorância do vulgar...
Será que nos deixam?
Um abraço

Anónimo disse...

Observação excelente, a do António. Conceber um logótipo com a cena dum crime sexual medieval só de gente mentacapta e estúpida. Saloiice, pacoviice. Provincianismos. Hoje promovem esse logótipo; amanhã vêem-nos (com as falinhas gratuitas da «cidadania») condenar a violência entre os géneros, a segregação sexual, a violência doméstica e, também, apregoar as boas relações entre Portugal e Espanha.

O que é que tem o mito do Pedro/Inês para além dum acto de violência sexual? Um crime hediondo cometido pelo chefe da Nação! Confundir com amor o que fez o tal Pedro-o-Doido é um apelo ao crime. Pode um serviço público heroicizar um criminoso seja ele um rei? Os que perpetuam essa selvajaria nas bandeiras duma Câmara, agência de turismo ou seja lá o que for como serviço público, são uns irresponsáveis. O acto do Pedro-o-Assassino é um crime, é um crime, é um crime! E não é para desculpar (ainda menos louvar) só porque é antigo, medieval, «romântico». Não era melhor condená-lo de uma vez para sempre? Perante essa quadrilha que concede foros de nobreza aos crimes sexuais, dá-me vontade de dizer «Pobre Alcobaça que tais elites engendrou!».

Percorram a Europa, e vejam onde é que um serviço público faz uma coisa dessas! Só nas bandeiras da pirataria... E, mesmo assim, só os piratas genuinamente sádicos e anti-sociais!

E os párocos? Estão à espera de quê para se recusarem a celebrar missa diante da heroicização dum adúltero e dum criminoso sexual que foi Pedro-o-Doido?

um abraço Jorge Casal

Anónimo disse...

A história está toda ela repleta de alegorias, contradições, lendas e maquinações sociais, políticas e económicas.
Os tempos vão e vêm mas os homens cometem sempre os mesmos erros...
Desvirtuam da forma mais grosseira factos, sentimentos e aconteciemntos, ao sabor de interesses que, em cada tempo específico, detêm um sentido muito específico e concreto.
É o que se passa hoje com o mito de Pedro e Inês. Interessa a uns quantos idolatrar o mito (até se dão ao trabalho de mostrar os verdadeiros palhaços que são no seu íntimo...)porque daí podem obter alguns proventos materiais ou imateriais. Quanta ilusão... No final de contas, penso que não poderãO deixar de se sentir uns frustrados que se vêm obrigados, pela sua ganância (seja de que tipo for) a usar os expedientes mais torpes.
Se esta história não se caracterizasse por vários crimes éticos, morais, sociais e até jurídicos(adultério, sede de poder, traição, assassínio, obscenidade) até que poderia consubstanciar uma verdadeira história de amor. Mas, a verdade dos factos foi bem mais cruel que a de uma história de amor proibido (se é que isso existe...).
Quanto à Igreja, já nada me admira. Tem pactuado e operado, ao longo da história, com as maiores barbaridaes sociais e humanas. A Igreja é feita de homens, com interesses a defender, razão pela qual mataram Aquele que, em seu entender, ofuscou o seu poder. Vive numa luta constante por esse poder que corrompe as homens e as nações, de domínio do mais fraco e, tudo serve para manter o povo adormecido, em êxtase constante...´
Comporta-se como aqueles e aquelas que proferem palavras belas e cometem as piores acções, que disfarçadas em capas de santidade e decência perpetram vinganças pensadas com objectivos definidos.
Assim vai a crueldade humana, ontem e hoje, pura e genuína embora expressa de formas diferentes.
Mas, ainda há quem não pertença a este mundo...

Anónimo disse...

Os Homens são fonte de interesses, da mais diversa natureza. E, estes interesses perventem, diabolizam, massacram todos quantos são alvo desse interesse...
Como a vida seria tão mais digna e útil se a sua natureza fosse LUZ, fonte de vida e não de dor, de verdade e não de mentira ou teatro, de humanidade e não de conquista de poder.
É pura utopia, eu sei.
Mas, por vezes, é bom sonhar com a utopia...para que o mundo real não mate a nossa verdade interior.

Anónimo disse...

Caro António

Excelente artigo sobre O D. Pedro.

Realmente há coisas que os poderes deveriam deixar estar como estão.
Claro o que mais abunda neste mundo são mentiras, e a atrofiada mentalidade bacoca do Autarca de Alcobaça, como sempre foge á regra.
O homem lixou Alcobaça desde o dia em que pensou que tinha obtido o poder como se legado divino se tratasse.
E assim decidiu desenterrar o D. Pedro e a D. Inês para ver se conseguia criar um facto á escala global de modo que apanhando a boleia associasse o seu nome ao evento.

Não sei se valerá a pena fazer isto e esquecer a realidade histórica.

Apesar de tudo o D.Pedro que de santo não tinha nada vingou-se dos seus inimigos, resta saber se realmente ele gostava assim tanto dela. Cá por mim gostava mas quem sou eu para falar do assunto.

Como foi dito e bem , a história é escrita por mentirosos gente alucinada que escreve o que deveria ter acontecido, e por vezes o que é escrito é muito longe da realidade.
Muitas vezes até eram pagos para escreverem o que o poder queria.

Quanto á Igreja o que se pode dizer?

Afogada em sexo , pedofilia , roubos ,assassinatos, poder, mafia , alta finança eu sei lá.

De tal modo que Cristo antevendo o que iria acontecer disse assim, no monte das Oliveiras:

Dirijo-me a todos os mortais vocês lixaram-me cá na terra, mas já não me lixam mais, e assim se foi!!!!

A. João Soares disse...

Texto didáctico quanto à história e quanto à qualidade linguística. Parabéns por esta peça maravilhosa. Todos os comentadores estão de acordo. Os portugueses são irracionais na apreciação dos erros sociais, apoiam os espertos que fogem ao fisco e a outros refinadas malandrices e obtêm condições demasiado confortáveis.
Há poucos dias, o PGR dizia que o povo não condena a corrupção. Isso viu-se nas últimas eleições autárquicas em que o povo elegeu candidatos, sem apoio de partidos, e com processos em tribunal por ilegalidades cometidas nas funções de autarcas.
E assim se faz a história, com h pequeno!
Sugiro uma visita ao blogue Do Mirante, ao artigo «Os políticos e o relvado dos estádios»
Abraços
A. João Soares

Savonarola disse...

Esta história de Pedro e Inês revela uma característica do poder, o controlo da informação. O que antes da sua conquista podia estar certo, passa a estar errado depois, pelo que não existe rigor matemático naquilo que é a narrativa histórica. Exemplo deste facto pode ser a abordagem conservadora, pró-salazarista, que o José Hermano Saraiva faz da História de Portugal, para ele, toda feita de mitos respeitáveis. Ora, dificilmente um mito pode servir o rigor histórico. Mais facilmente serve os interesses de um qualquer poder...
Um abraço

Anónimo disse...

Quanto ao mito de Pedro e Inês, ele aproveita aos arautos moralistas que assim limparam a honra da coroa. Sem falar na simbólica tolerância para com Castela, que a Castro representava. Surge, aliás, na mesma linha do programa da RTP Os Grandes Portugueses (de outrora), ie, de uma história de feição biográfica, nos antípodas da história social, económica e cultural (se a houver) que alimenta os nacionalismos futeboleiros e fadistas e enebria a alma dos nativos. Estas curiosidades íntimas de folhetim perseveram, entretendo e desviando a atenção do essencial, servindo de mobile para pousadas de charme que não passam de especulação imobiliária encapotada. Grave, é que ainda colham!

Anónimo disse...

Hoje estive no mosteiro de Alcobaça e vi uma peça que desconhecia. Era um relicário e tinha bocadinhos de cabelo, uma faca, um ramo de flores etc...
Sabem dizer-me onde foram buscar as ditas relíqueas? Violaram os túmulos do Pedro e da Inês ou são objectos fingidos?

ANTONIO DELGADO disse...

O minha cara Estrelafricana desculpa mas tu não percebes mesmo nada do negocio nem de esquemas ...valha-te Deus!

Lúcia Duarte disse...

oh estrela, de facto tenho pena de ainda não a conhecer pessoalmente. não é por nada mas gostava de conhecer alguém que ainda acredita no pai natal...
ingenuidade ou fé na mentalidade humana?

Anónimo disse...

Oh Lúcia,

Para ser franca, ainda tenho fé na mentalidade humana. Acredito piamente que ainda há, à face da terra, pessoas que são absolutamente verdadeiras. Será isto ingenuidade da minha parte?! Aceito que sim.
Quanto às relíquias, parece-me incorrecto colocar essa designação em qualquer obra, não correspondendo ela à verdade. É que a relíquia significa algo que é precioso e, normalmente, usa-se relativamente a Santos, Reis etc... para partes do corpo ou objectos que lhes pertenceram ou que tiveram contacto com eles.
No caso concreto, e salvo melhor opinião,o autor da obra deveria ter feito referência ao aspecto de desconhecimento da veracidade da pertença ao Pedro e Inês dos objectos que inclui na obra uma vez que, nada dizendo, se presume que esses objectos são mesmo verdadeiras relíquias e... logo... que violou os túmulos ( a não ser que em algum lugar estivesse guardada a cabeleira de um dos dois falecidos, o raminho de flores da Inês etc.) Mas, como na sociedade consumista em que vivemos parece valer tudo... Viva o espectáculo.