terça-feira, novembro 13, 2007

FRADES NO GERAL E OS DE ALCOBAÇA EM PARTICULAR


São Bernardo e a virgem
Alonso Cano. Museu do Prado

O texto que se segue foi deixado pelo Jorge Casal como comentario à postagem anterior, por considerá-lo pedagógico ,decidi fazer dele uma postagem. O Jorge editou-o igualmente no blog: Cultura Popular.

" Há hoje uma visão romântica da vida monástica que leva a pensar que, dentro dos muros dos conventos, era só pureza, oração, bondade e rectidão. Esquece-se que o conceito moderno de «vocação religiosa» podia não existir. Ia-se para o convento para fugir ao trabalho assalariado, à miséria económica, ao previsto abandono na velhice e às previsões de doenças sem assistência. No «mundo» (na vida secular) não havia protecção social nenhuma contra a pobreza, a doença, a velhice, o desemprego, o abandono familiar, a orfandade, etc. O convento era um reduto de «alta protecção», a todos os níveis. Ainda nos anos 50 e 60 do séc. XX se ia para os conventos para superar as previsões de miséria. Um frade era um privilegiado, «um senhor», um príncipe, face à dureza das condições do meio social que envolvia o convento.Sobretudo, não esqueçamos que, desde a Idade Média até ao sec. XIX, os conventos também eram o local onde os pais depositavam os filhos/filhas que eles deserdavam, ou 1) porque vigorava o sistema do morgadio (só um filho/filha herdava o património) ou 2) porque, sendo o património escasso, «não chegava para todos». Então, alguns tinham de ir para um dos inúmeros mosteiros (os pais é que decidiam qual deles tinha esse destino, e qual o mosteiro... e não se podia desobedecer aos pais)..Depois havia as filhas aí postas à força para as contrariar nas suas escolhas matrimoniais. Os mosteiros de mulheres eram sobretudo sítios de sequestro das raparigas desobedientes. Isso aparece em toda a literatura do passado. Pelo efeito destes vários factores, no séc. XVIII 10 % da população portuguesa residia nos conventos. A fuga do convento era punida com prisão, excomunhão e banimento. O frade «egresso» (fugido) tornava-se um vadio anónimo que ia engrossar as quadrilhas de ladrões de estrada. Conclusão: um convento era um sistema de protecção social contra a miséria, a doença e a velhice para uns, um destino inelutável para outros, e uma prisão para a maioria. Também havia muitos delinquentes que ingressavam «nas ordens» para fugir à justiça. (não havia Polícia Judiciária como hoje nem Interpol... ) enquanto os conventos não podiam ser investigados pelas autoridades policiais ou civis).A partir destas condições sociais, um mosteiro era um refúgio de inúteis, preguiçosos, frustrados, réprobos, com - como é evidente - algumas «almas boas» pelo meio. Não admira que também houvesse traficantes de toda a ordem. A vida no interior não era «pera doce»: os conluios, as tramóias e as manigâncias de uns contra os outros, tanto os havia nas aldeias como nos mosteiros. Um convento podia ser um saco de gatos, um ninho de cobras ou um cesto de lacraus. Desde os sécs XVII.-XVIII, a vida monástica entrou em decadência acelerada. Os frades já não viviam exclusivamente nos mosteiros. Muitos passavam as noites nas tabernas e no fado. Muitos passavam os dias nas casas particulares, auto-nomeavam-se «educadores ou confessores da mocidade» ou dos ricos, das suas senhoras ou filhas, etc. E, se os da casa que não aceitassem o confessor intruso, eram denunciados à Santa Inquisição como… «luteranos» (facílimo levar alguém à fogueira!). Outros vagueavam pelas ruas das cidades, inclusivamente a provocar os (melhor: as) transeuntes. Ou, ainda, percorriam o País (dum mosteiro a outro) usando as estalagens (sem pagar) ou assaltando as propriedades. Enfim, para não me alongar sobre este sub-mundo de parasitas, proponho a leitura dos «relatos de viagens» dos escritores estrangeiros, nos sécs. XVII e XVIII, publicados pela Biblioteca Nacional («Série: Portugal e os Estrangeiros») no que eles se referem aos frades e ao clero.Espero que os românticos defensores da pureza monástica me apontem meia dúzia de monges de Alcobaça - só meia dúzia, desde a fundação até ao fecho - que se tenham notado pela sua santidade.. mas a verdadeiramente cristã, incontestada, sem mácula, a do amor ou abnegação ao próximo"


19 comentários:

quintarantino disse...

Estou a apreciar os contributos históricos sobre esta matéria.

ANTONIO DELGADO disse...

Caro Quintarantino,
prezo em saber isso continuarei a divulgar aspectos menos conhecidos da vida monastica se bem que não será em sequencia como fiz nestas ultimas postagens.
Um abraço

Al Cardoso disse...

Um artigo muito interessante de uma historia que eu sabia mas que muita gente ainda hoje teima em esconder.
Gostei tambem do quadro da virgem com o S. Bernardo, essa Virgem tinha uma pontaria do diabo, pontaria e pressao, para sair com essa precisao!!!

Um abraco d'Algodres.

Zé Povinho disse...

Coitados dos frades, eles até que são humanos, e comportavam-se como tal. O que nunca entendi é a ideia peregrina de não fazerem uma vida normal como o resto das pessoas, o que torna os seus actos ainda mais aberrantes, aos olhos de quem os topa.
Os segredos acabam por saber-se, e as carecas revelam-se bem cabeludas....
Abraço do Zé

Beezzblogger disse...

No Passado, tal como no presente... Ainda houve um intermédio, mas como as coisas caminham e no ritmo a que caminham, haverá um novo plano de mosteiros e conventos para fazer face à miséria...

Abraços do Beezz

ANTONIO DELGADO disse...

Caro Al Cardoso
Sim há muita gente que não quer saber mas o pior é que têm raiva a quem saiba...tenha cuidado com os frades ocultos (ehehehheeh).
A virgem com o seio a fazer apontaria com o leite à boca do S. Bernardo é de rir. No convento de Cós em Alcobaça, há também uma pintura destas. Mas como a arte em Portugal parece naif é muito fraquinha...e a pintura de cós parece feita por um principiante: mas não deixa de ser comica igualmente. Um dia destes apresentarei um grupo de pinturas com o S. Bernardo a levar com o leite na boca atravez dos esguicho saido do seio da virgem e esta a fazer apontaria para acertar. Riu-me como este espectaculo foi promovido e patriocinado pela propria igreja católica!
Um Abraço
António

ANTONIO DELGADO disse...

Caro Zé Povinho, subscrevo plenamento aquilo que afirma...são humanos e como os demais tem todas as virtudes e defeitos. O problema é a ortodoxia da igreja católica não admitir essa condição humana. Pelo contrario castiga-a com todo aquele catalogo de penitencias/castigo. E toda a critica é por ai que entra.

Um abraço
António

ANTONIO DELGADO disse...

Caro Beezzbloger se há! reparou no templo que foi concebido em Fatima?
O quarto maior do mundo e a numero dos creentes está a decrescer assim como dos assistentes às missas. O Papa diz qualquer coisa como "a igreja catolica Portuguesa deve de reflectir"...imagine-se então se a igreja católica não tivesse defeitos...

Cordialmente
António Delgado

Verena Sánchez Doering disse...

querido amigo
deseo que estes muy bien, disculpa si no te he venido a ver, pero ho he estado bien estos dias, pero como siempre luchando y dandome animo
como siempre sorprendes con todo
te dejo muchos cariños y deseo que estes muy bien
mil besitos amigo y cuidate


besos y sueños

ANTONIO DELGADO disse...

Querida Amiga,
gracias por tu visita y por el estimulo. De verdad añoraba tu visita, pero sé como son estas cosa: unas veces se puede y en otras no.

Un beso tierno
António

VR disse...

Só uma coisinha:

Se a população fradesca era assim tão concupiscente e dada à luxúria, porque razão aparecem na Mostra de Doces Conventuais de Alcobaça tantos "empresários" vestidos em trajes de monge?

Será para atrairem o parceiro sexual?

ANTONIO DELGADO disse...

Caro (.) é um desabafo ou um devaneio e a que propósito fala de luxúria?

zé lérias (?) disse...

É preciso desmistificar muitos tabus que envolvem a igreja católica ( e outras igrejas).

Se de entre os religiosos e simpatizantes do catolicismo sempre houve (e haverá) alguns que abraçaram a fé com convicção e pureza (e outros a abraçaram depois de influenciados por ritos subliminares), outros acharam na igreja um modo de sair da pobreza como bem é descrito no seu poste de hoje.

Respeito todos e também os que estão em desacordo, os quais de uma forma ou de outra são o resultado do meio em que viveram. Tal como nós, mesmo que o não saibamos.
Um abraço e bom fim-de-semana

ANTONIO DELGADO disse...

Caro Zé Lérias,

apenas tento fazer isso... desmistificar!
... por imagens e dados históricos. Pena é que ainda haja tabus e por vezes as pessoas não entendam desta maneira .

Um abraço
António Delgado

Arte e Liberdade disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Jobove - Reus disse...

la iglesia que gran misterio y en el fondo tambien eran humanos y tenian sus defectos, todas las religiones han traido la guerra en el mundo

saludos de tus amigos de Reus

Arte e Liberdade disse...

De propósito voltei ao post de Outubro para ver o quadro da Josefa. Percorri depois o Alonso Cano passei por Sevilha, no Velázquez e cheguei até ao Francis Bacon (pintor).
Como já antes te disse, mais uma vez prestas um serviço à cultura e mais, em tempo e num lugar onde os doces rodeiam igrejas e conventos, aqui e aquém, abrindo neste caso mais uma vez as portas do monumento. Nisto, a actual Câmara está de parabéns, em minha opinião. Lamento no entanto que pareça não saber ou não querer alterar o perfil das diferentes feiras locais, promovendo assim o uso a conservação a limpeza dos espaços conventuais e melhor conforto e dignidade nas mostras, até porque o mosteiro como disse o Prof. Hernâni Lopes aqui há um ano, tem uma área maluca... é maior que o Centro Cultural de Belém.

Mais fininho. Parece que a cenografia e o roupeiro já são aceitáveis como prova científica. Sendo assim é de considerar que também é prova um painel de azulejo, ali próximo, que figura uns monjes branquedos na adega, no popular entusiasmo da prova do tintol.

Deixa-me cortar um quadradinho de salmão, do Cano, para a minha colecção de cor. Posso?...Diz-me!
Disse

ANTONIO DELGADO disse...

meu querido Amigo JQ ( ARTE E LIBERDADE). Obrigado pelas tuas palavas mas este blog pretende ser de cultura e no caso da iconografia, tanto de S. Bernardo como dos monges de Císter, felizmente há uma excelente variedade. Tenho pena que muita desta iconografia não seja conhecida das populações de Alcobaça. As pessoas parecem continuar a estar catequizadas com estereótipos da historiografia dogmatica e apologética . Quanto à referencia sobre a iconografia dos frades sei que há imagens curiosas nalguns cafés de Alcobaça.Sobre a Camara, monges e doces conventuais etc. já expressei, neste blog, o que penso sobre o evento . Considero boa a tua viagem pelos pintores referidos e podes tirar as cores que entenderes.
Um abraço frateerno e bom fim de semana.
António Delgado

ANTONIO DELGADO disse...

Hola amic Te la Maia,

El problema es que entre lo predicado y la acción hay una diferencia muy grand y en las religiones el tema de la moral/etica se nota mas cuando no se cumplen.

Un abrazo.